sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Livro 30 – O cortiço


Esse é um clássico da literatura brasileira que todo mundo deveria ler. “O cortiço” é um estudo sociológico de um grupo de pessoas vivendo em situação de vulnerabilidade. Poderia, perfeitamente, ser adaptado à vida que muitos levam em favelas e ocupações nas grandes cidades hoje.

Aluísio Azevedo tinha toda uma técnica para escrever. Ele chegou a fazer maquetes do cortiço em torno do qual a história acontece. Tratava seus personagens como cobaias, com uma boa dose de frieza e indiferença em alguns momentos.

“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.”

Por outro lado, o autor esbanja sensibilidade e chega a ser poético ao tratar de um tema que até hoje é frequentemente visto como um tabu, que é a menstruação. Até hoje, o sangue menstrual é representado por um líquido azul nos comerciais de absorvente, por exemplo. E em 1890 o autor de “O cortiço” assim descreveu esse momento na vida da personagem Pombinha:

“Nisto, Pombinha soltou um ai formidável e despertou sobressaltada, levando logo
ambas as mãos ao meio do corpo. E feliz, e cheia de susto ao mesmo tempo, a rir e a
chorar, sentiu o grito da puberdade sair-lhe afinal das entranhas, em uma onda vermelha
e quente.”

E ele continua:

“A natureza sorriu-se comovida. Um sino, ao longe, batia alegre as doze badaladas
do meio-dia. O sol, vitorioso, estava a pino e, por entre a copagem negra da mangueira,
um dos seus raios descia em fio de ouro sobre o ventre da rapariga, abençoando a nova
mulher que se formava para o mundo.”

Nos dias atuais, o assunto é um grande tabu, por mais absurdo que isso possa soar. Parece que andamos para trás. É claro que existem artistas de diferentes áreas que se expressam a respeito da menstruação e até militam para que ela deixe de ser vista como algo nojento, impuro, sujo. É o caso da poeta Marina Colasanti, que escreveu o seguinte poema:

“Eu Sou uma Mulher
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Os homens vertem sangue
por doença
sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.
Em nós
o sangue aflora
como fonte
no côncavo do corpo
olho-d’água escarlate
encharcado cetim
que escorre
em fio.
Nosso sangue se dá
de mão beijada
se entrega ao tempo
como chuva ou vento.
O sangue masculino
tinge as armas e
o mar
empapa o chão
dos campos de batalha
respinga nas bandeiras
mancha a história.
O nosso vai colhido
em brancos panos
escorre sobre as coxas
benze o leito
manso sangrar sem grito
que anuncia
a ciranda da fêmea.
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Pois há um sangue
que corre para a Morte.
E o nosso
que se entrega para a Lua”.


Também é o caso da artista plástica e fotógrafa Vanessa Tiegs, que fez as pinturas que aparecem no vídeo com o próprio sangue menstrual, na série chamada de Menstrala:

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