sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Livro 25 – Na pele de uma jihadista

A jornalista Anna Erelle revela, em “Na pele de uma jihadista: a história real de uma jornalista recrutada pelo Estado Islâmico” (Companhia das Letras, 2015), sua aventura cibernética na pele de uma adolescente francesa atraída pelo Estado Islâmico. Já acostumada a interações com extremistas como jornalista, ela cria um perfil de uma jovem convertida ao islã, que estaria interessada em se juntar ao grupo na Síria.

A cumplicidade do namorado dela e da equipe do jornal para o qual a reportagem está sendo escrita são fundamentais para que o disfarce funcione. Ao se ver comprometida com um personagem importante do grupo extremista, no entanto, a situação se agrava. Admiro muito a coragem da jornalista ao se expor dessa forma. Depois que a matéria foi publicada, ela passou a sofrer ameaças constantes. Não demorou para que seguidores do Estado Islâmico percebessem que a jovem “Melodie” era, na verdade, a jornalista Anna Erelle (que na verdade é um pseudônimo). Até hoje, ela vive escondida.

É assustador saber que existem muitas meninas que acreditam, de fato, no que a personagem criada pela jornalista afirmava crer. Elas se convertem e partem para regiões em guerra para se juntar a seus noivos, que conheceram pela internet, os quais geralmente têm muitas esposas. A esperança é de viver em um mundo que segue a Sharia, a lei islâmica seguida por fundamentalistas, que exige, entre outras obrigações, que as mulheres se cubram totalmente, com apenas os olhos descobertos. 

Assim como o fotógrafo que trabalha com Anna durante a maior parte das interações com Bilel, o extremista que a quer como esposa, é provável que qualquer leitor se sinta desconfortável com a transcrição dos diálogos entre ambos pelo Skype. O combatente já considera a jovem como sua. Entre juras de amor e exigências de fidelidade, porém, ele acaba mencionando aspectos da atuação do grupo que são relevantes, jornalisticamente, o que faz com que ela continue suportando essa farsa.

O relato mostra como meninas são recrutadas em todo o mundo pelo Estado Islâmico, sem o uso de armas de fogo ou violência física. Só o que eles precisam para esse recrutamento é usar as redes sociais para atrair suas presas. É assustador saber que nesse momento há jovens caindo nessa armadilha.

 “Pouco importa o meio social ou as secretas motivações de cada um: a organização terrorista tem argumentos imbatíveis para atraí-los em suas redes. […] A organização cria a ilusão de dar valor a esses meninos perdidos para melhor valorizá-los e reformatá-los. […] Afinal, sua arma favorita é a internet, e os pobres jihadistas aprendizes só passam do status de massa de manobra digital para o de bucha de canhão. Prova disso é Melodie, que, em pouco mais de 48 horas, já está prometida a um casamento por amor e a uma vida idílica.” (pg. 61)

Nesse aspecto da conquista de presas pela internet, não há como não lembrar de um filme que nada tem a ver com qualquer guerra ou o Estado Islâmico, mas que tem como trama a conquista de uma menor de idade por um pedófilo através da internet.

domingo, 4 de setembro de 2016

Livro 24 - Os amantes de minha mãe

Esse é um daqueles livros com os quais tomamos contato por acaso. Comprei ele em uma promoção, em uma loja de conveniência. Havia vários títulos disponíveis, escolhi alguns e olhei atentamente as capas, li as sinopses e orelhas enquanto tomava um suco. O livro de Christopher Hope, "Os amantes de minha mãe" (Editora Record), foi o escolhido.

Logo no começo, me agradaram algumas passagens em que outros escritores são mencionados como amigos de Kathleen, a mãe do protagonista Alexander, narrador da história. Karen Blixen é uma delas. "Sua admiração por Karen Blixen, a quem ela visitou algumas vezes quando era menina, não tinha nada a ver com o caso de amor de Blixen pelos planaltos quenianos; o motivo era mais simples: - Meu Deus, como aquela mulher sabia matar leões!"

Os diálogos entre mãe e filho são carregados dos mais variados sentimentos. Uma relação complexa, como toda relação familiar:

"- Aquela exibida! Um desses estrangeiros que vêm para cá e romantizam a África. Nascido em liberdade uma ova! Deixe-me dizer-lhe uma coisa, rapaz, nada e nem ninguém nasce livre; nenhum de nós pode alegar isso;  a liberdade é algo que você tem que trabalhar para conseguir e lutar para conservar.
- Sim, mãe.
- Não diga 'Sim, mãe' para mim.
- Não, mãe."
O fascínio da mãe pela África, por viajar e conviver com diferentes culturas e biomas, faziam dela um grande desafio a ser encarado pelo filho desde criança. Mesmo após a morte.

"- Você vai cair no rio e vai ser levado por crocodilos.
Eu não fiquei nem um pouco preocupado, em sempre tive a impressão de ter caído, muito tempo antes, dentro de algo tão profundo e marrom e caudaloso quanto o Tugela, e de ter sido levado, e ainda não tinha me afogado. Mães era onde você se afogava. O Tugela era apenas um rio, e com rios eu sabia lidar."

O desfecho da história não é menos surpreendente.  Ao ser obrigado a refazer passos da vida da mãe para distribuir sua herança, Alexander se vê envolvido em outras histórias e passa a conhecer a própria mãe um pouco melhor, a vê-la de outro ponto de vista. Livro excelente. Fiquei triste quando acabou.

Com a menção a Karen Blixen e sua paixão pelo Quênia, lembrei de seu livro "África minha" e da versão para o cinema, que em português chama-se "Entre dois amores", que levou 7 prêmios no Oscar de 1985.