sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Meta superada em 2016

Em 2016 eu li, no total, 50 livros. Fico impressionada ao constatar, mas aconteceu naturalmente. Estou lendo seis livros no momento, mas não devo terminar nenhum até o final do mês, então eles entram já na meta de 2017. Encerrando o ano, listo os livros que li mas não publiquei no blog:

- Carta ao pai, de Franz Kafka
- As solas do sol, de Fabrício Carpinejar
- O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques
- De gados e homens, de Ana Paula Maia
- A cara da mãe, de Livia Garcia Roza
- Uma breve história do tempo, de Stephen Hawking
- Pomba enamorada ou uma história de amor e outros contos escolhidos, de Lygia Fagundes Telles
- Fronteira, de Luís Fernando Pereira
- E se amanhã o medo, de Ondjaki
- Meus desacontecimentos, de Eliane Brum

Por ser mediadora de um clube de leitura Leia Mulheres, li mais autoras do que autores em 2016: 27 livros escritos por mulheres, 23 por homens. Para 2017, pretendo ampliar o número de livros escritos por mulheres e aumentar essa diferença.

Vou começar o ano novo encerrando a leitura de "A guerra não tem rosto de mulher", da Svetlana Aleksievitch, e "Rotas literárias de São Paulo", da jornalista Goimar Dantas.

Para 2017, pretendia estabelecer um desafio de 50 livros. Como essa meta acabou sendo cumprida já em 2016, resolvi ampliar esse número para 70. No blog, começarei novamente a contar os livros a partir do primeiro do ano, dessa forma: 2017/Livro 1, 2017/Livro 2 e assim por diante.

Estou muito feliz por ter conseguido superar mais uma vez a meta anual de leitura, por estar lendo cada vez mais, por tantos livros incríveis que tive a oportunidade de ler em 2016. E também pelas reuniões dos clubes de leitura em que muitas dessas obras foram discutidas e deram margem a reflexões, relatos, desabafos e ótimas conversas.

Que venham mais leituras em 2017!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Livro 40 – Ilusões perdidas

Honoré de Balzac é inexplicavelmente impecável em “Ilusões perdidas”. O jovem escritor Lucien, que se rende ao mundo obscuro do jornalismo para conquistar fama e fortuna em Paris, tem muito de mim e de cada um de nós.

“A avareza começa onde cessa a pobreza”, uma das primeiras frases do livro, talvez seja a melhor síntese do que toda a história contada nele evidencia.

A pequenez de pessoas que só pensam em si mesmas, no próprio sucesso e fortuna, é escancarada pelo autor por um lado. Por outro, ele enaltece sentimentos e valores tão simples, ao mesmo tempo preciosos e cada vez mais raros, como o desapego, o amor, a generosidade. E é claro, a ingenuidade.

Balzac compreendia muito bem a diferença entre os avarentos e os pobres, assim como o risco de grandes talentos como o de Lucien serem desperdiçados em nome de fama, dinheiro e algum poder, mesmo que ilusório. Recomendo muito o livro. Em 2017, pretendo ler mais alguma coisa dele, porque comecei gostando muito do que li com “Ilusões perdidas”.

A leitura me fez relembrar um filme que eu adoro, inclusive voltei a assistir enquanto estava lendo. Chama-se “Balzac e a costureirinha chinesa”. É uma linda história de como bons livros podem mudar a vida de pessoas. A fotografia do filme é belíssima também. Ele é baseado em um livro de Daí Sijie, que também está na minha lista de futuras leituras.

O trailer é em espanhol, mas pesquisando se encontra o filme na íntegra, em português, no You Tube.1

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Livro 39 - Montanha Russa

As crônicas da Martha Medeiros fazem parte da minha história. Tive o primeiro contato com elas no Jornal Zero Hora, quando ainda vivia no Rio Grande do Sul. Recentemente, encontrei esse livro que reúne algumas delas, "Montanha Russa" (L&PM). São crônicas que podem ser doces ou ácidas, às vezes até um tanto amargas, mas nunca insossas.

Entre as que mais me chamaram a atenção, mencionarei aqui uma bem ácida e depois uma extremamente doce. Em "Far away", a autora analisa a letra da música homônima de Robert Cray de um ponto de vista inegavelmente feminista:

"Tenho escutado o último disco do Robert Cray, que esteve recentemente fazendo um show em Porto Alegre. Aliás, o show dele foi um tanto burocrático, preferi o show de abertura feito por Jeff Healey, bem mais intenso e "sujo", no melhor sentido. Mas é Cray que ando escutando no carro, em especial a faixa Far away, cuja letra é o lamento de um homem que está saindo de casa. Ele diz pra esposa que ela é ótima, que o problema não é com ela: ele é que não conhece a si mesmo e precisa se descobrir. Pega suas coisas, deixa as chaves na estante e avisa que na manhã seguinte voltará para comunicar às crianças, assim que acordarem, que papai tem que ir embora. A guitarra chora durante os seis minutos da música, e a gente quase chora junto.
Pra você, uma música é apenas uma música, mas pra mim uma música é uma música e um assunto, assim como uma pesquisa eleitoral é uma pesquisa eleitoral e um assunto. Um dia vou falar sobre a fome de assuntos que faz sofrer todo colunista. Pois bem. De tanto ouvir esta canção do Robert Cray, comecei a achar que é mesmo um privilégio ser homem. Um belo dia o cara se dá conta de que não sabe nada sobre si mesmo, que há muitas outras coisas para serem vividas do lado de fora da porta da rua e que se continuar na sua vidinha regrada vai perder o melhor da festa. Aí ele amansa a patroa dizendo que ela é uma mulher estupenda, não tem culpa nenhuma de ele ser um ignorante sobre si mesmo, e sai de casa e do casamento, não sem antes ter a consideração de não acordar as crianças. Ele voltará no dia seguinte pra se despedir dos pequenos, que ficarão eternamente gratos por papai ter sido camarada em deixá-los dormir antes de receber a má notícia.
Mulher também tem vontade de se descobrir, fazer sua trouxa e deixar as chaves na estante. Mas imagine a cena. "Crianças adoradas, mamãe precisa se descobrir. Papai, que é um sujeito bacanésimo, vai ficar cuidando de vocês, ok? Tchauzinho."
Punk rock. Nem a Courtney Love cantaria isso sem engasgar. Mulheres têm que se descobrir durante o trajeto do ônibus, têm que se conhecer melhor enquanto escolhem o tomate menos murcho na feira, têm que experimentar novas vivências ali no bairro mesmo. Mulheres dizem para seus filhos que vão passar o final de semana na serra com as amigas e eles automaticamente esquecem onde fica o chuveiro, imagine se ela disser que vai pra galera, conhecer o mundo. Suicídio coletivo.
Foi só um pensamento que me ocorreu enquanto ouvia Robert Cray no carro, presa num congestionamento, indo buscar minhas filhas no colégio como faço todos os dias." (fonte: http://blogmulherde40.blogspot.com.br/2011/08/far-away-de-martha-medeiros.html

Quanto ao lado doce, nada como um pirulito com sabor de arco-íris. Amei essa crônica sobre uma roda de conversa com crianças pequenas:

"Sabor de arco-íris
O assunto em pauta é literatura. Semana do Livro, Bienal do Livro, lançamento de livros. Aleluia! Um dia a turma que não lê vai descobrir o que está perdendo. Pois entre tantos eventos para incentivar a leitura, fui convidada a participar de um que me deixou ligeiramente aflita: conversar com alunos de um maternal. Eu já havia estado no colégio Anchieta conversando com a turma da minha filha mais velha, que tem 10 anos. Agora o convite era para falar com a turma da minha filha mais nova, de"5, no Amiguinhos da Praça. Fiquei imaginando como seria ficar cercada por um monte de baixinhos que mal sabem escrever o próprio nome. Que perguntas fariam? Quantos segundos levaria para eles perderem o interesse nas minhas respostas? Perigo: crianças!
Mas não amarelei. Chegando lá, sentei no chão, numa rodinha. Vários pares de olhinhos me examinavam. Não saí correndo. A tia perguntou se alguém queria fazer uma pergunta. Oba, vou ganhar tempo até um deles criar coragem, pensei. Todos levantaram o dedo. To-dos.
A partir daí, foi uma festa. Passei meia hora na Terra do Nunca, bombardeada por um afeto e uma espontaneidade que me tornaram consciente de tudo o que a gente perde quando vira adulto. Alguém perguntou se era verdade mesmo que o papel vinha da árvore. Se eu já tinha escrito um livro sobre dinossauros. Como é que eu fazia pra dormir depois de ler uma história de terror. Se era eu mesma que juntava as páginas para montar o livro. De onde vem a palavra certa. Por que meus livros não têm desenho. Se dava pra jogar futebol e ser escritor
ao mesmo tempo. Qual o chiclete que eu mais gostava. Tu conhece a Disney? Meu pai é engenheiro. Meu pai não tem emprego. Minha mãe te adora. A minha faz macramê. Eu gosto de livro de amor e livro de monstro. Tenho dois irmãos. Eu, dois pais. Ainda durante aquela tarde, ouvi minha filha dizer que pirulito tem sabor de arco-íris. E um menino, malandro, me perguntou o que eu queria ser quando crescesse. E eu lá quero crescer?" (fonte: http://escritapaulamedeiros.blogspot.com.br/2013/07/sabor-de-arco-iris.html

Nada como a espontaneidade e a curiosidade natural delas para trazer um sopro de otimismo, ânimo e felicidade a qualquer criatura. Crescer para quê?


Ouça aqui Robert Cray cantando e tocando "Far away".

domingo, 27 de novembro de 2016

Livro 38 – Claraboia

“Claraboia”, de José Saramago, foi escrito pelo autor no começo de sua carreira, quando ainda não era um escritor conhecido. Uma editora não respondeu a ele sobre o original e depois disso ele ficou um longo período sem escrever. A publicação só aconteceu depois da morte de Saramago, em 2011.

Nessa obra, Saramago relata o dia a dia dos moradores de seis apartamentos de um mesmo prédio, que tem uma claraboia. Em um deles, vivem quatro mulheres: Cândida é a figura central, que vive com suas filhas Adriana e Isaura e com sua irmã Amélia. Entre elas Isaura é uma leitora voraz: “Ardiam-lhe os olhos e tinha o cérebro excitado”.

As quatro mulheres costumam ouvir música clássica juntas. Em determinado momento, ficam encantadas e descrevem uma canção como bela, palavra que valorizam e é assim descrita por Cândida:

“Há palavras que se retraem, que se recusam – porque significam demais para os nossos ouvidos cansados de palavras. É como a palavra Deus para os que crêem. É uma palavra sagrada.”

O sapateiro Silvestre e sua esposa Mariana vivem em outro apartamento. Eles dão abrigo ao estudante Abel, que também gosta de ler e carrega consigo um exemplar de “Os irmãos Karamazov”, leitura que abandona para disputar uma partida de damas com Silvestre. Os dois têm conversas interessantes sobre a vida e as escolhas que fazemos.

Abel tem impressões interessantes ao chegar e se instalar no apartamento. Sobre a mobília, ele conclui, enquanto observa as instalações: “Móveis refletem a vida dos donos, como os animais domésticos”. E sobre Mariana, pensa: “(...) tão gorda que fazia riso, tão boa que dava vontade de chorar”.

Em outro apartamento, vive Lídia, que recebe visitas freqüentes de seu amante, Paulino Morais, e eventualmente também é visitada pela mãe. Abel se sente atraído por ela, assim como outros homens que vivem no prédio e o freqüentam.

Claudinha vive com os pais, Anselmo e Rosália, em outro apartamento do prédio. Ela pede ajuda a Lídia, para que solicite ao amante que lhe consiga um trabalho.

Carmem e o marido Emílio vivem em outro apartamento, com seu filho Henrique. O casal tem problemas de relacionamento e suas brigas chegam às vias de fato em alguns momentos. “A presença do marido diminuía-lhe o prazer da manhã”.

Por fim, o casal Justina e Caetano ocupa o último apartamento do prédio. Ambos vivem uma relação complicada e ela sofre de depressão. “A noite deixava-a sempre sem forças, muito cansada, com uma estúpida vontade de chorar e de morrer”.  E quando acontece um momento de aproximação com o marido, de quem ela se mantém distante desde a morte da filha Matilde, Justina quer resistir ao desejo que sente por ele, para manter a frieza e o poder em casa: “Tinha de escolher entre o prazer e o domínio”.

A estrutura narrativa lembra outra obra, de 50 anos antes, escrita pelo brasileiro Aloísio de Azevedo, O Cortiço (post aqui). Em “Claraboia”, Saramago ainda não escrevia da forma como sua escrita ficou conhecida depois de “O evangelho segundo Jesus Cristo” e “O ensaio sobre a cegueira”, com textos menos pausados e sem quebra de parágrafos.

Existem muitas adaptações de obras de José Saramago para o cinema, teatro e outras linguagens. Particularmente, gosto muito dessa animação de uma história para crianças dele, “A maior flor do mundo”, narrada pelo próprio escritor:




Também não poderia deixar de mencionar aqui o conhecido vídeo que mostra a reação de Saramago após assistir, junto ao diretor brasileiro Fernando Meirelles, ao filme “Ensaio sobre a cegueira” pela primeira vez:

Livro 37 – Quarto de despejo

Acredito que a leitura de diários é a melhor forma de se colocar no lugar de outro, em determinado contexto, época, condição. Foi assim quando li “O diário de Anne Frank” e “Eu sou Malala”. E não poderia ser diferente com “Quarto de despejo – Diário de uma favelada”, de Carolina Maria de Jesus (Editora Ática). Não é uma leitura agradável e a principal razão para isso é a fome, constantemente presente no dia a dia dela e de seus filhos.

A escrita dela é visceral, porque assim foi sua vida. Catadora de papel e outros materiais recicláveis, ela viveu na favela do Canindé, em São Paulo, que ficava próxima do estádio da Portuguesa, por onde hoje passa a Marginal Tietê. A cada dia, acordava cedo para buscar água e precisava catar materiais para ter dinheiro para comer e alimentar seus filhos, o que nem sempre era possível, fazendo com que ela pensasse em suicídio.  

“... Já faz tanto tempo que estou no mundo que eu estou enjoando de viver. Tambem, com a fome que eu passo quem é que pode viver contente?” (12 de outubro de 1956)

Apesar de todas as dificuldades, Carolina continuava lendo, escrevendo e tentando se manter otimista e a preservação dos erros de ortografia e gramática torna esse relato ainda mais punjente:

“Eu sou muito alegre. Todas manhãs eu canto. Sou como as aves, que cantam apenas ao amanhecer. De manhã eu estou sempre alegre. A primeira coisa que faço é abrir a janela e contemplar o espaço.” (22 de julho de 1955)

No entanto, mesmo em momentos inspirados, frequentemente a dureza da vida de quem nem sempre tem o que comer acaba se manifestando nas anotações da autora:

“... Contemplava extasiada o céu cor de anil. E eu fiquei compreendendo que eu adoro o meu Brasil. O meu olhar posou nos arvoredos que existe no início da rua Pedro Vicente. As folhas movia-se. Pensei: elas estão aplaudindo o meu gesto de amor a minha Pátria. (...) Toquei o carrinho e fui buscar mais papeis. A Vera ia sorrindo. E eu pensei no Casemiro de Abreu, que disse: ‘Ri criança. A vida é bela.’ Só se a vida era boa naquele tempo. Porque agora a época está apropriada para dizer: ‘Chora criança. A vida é amarga.’” (19 de maio de 1956)

Em alguns períodos, ela fica sem escrever por meses e depois, ao retornar, explica que não teve tempo, que a situação está difícil, que ficou doente... ao julgar pelos relatos dela, fica difícil imaginar dias ainda mais difíceis do que aqueles que ela descreve. Mas eles existiram. Carolina tem uma consciência política e social apurada. Ela chama a favela de quarto de despejo, que é o cômodo da casa em que se deposita o que não é bonito, onde se esconde as tralhas. E ela se coloca nesse lugar, como parte do povo renegado pela sociedade, enganado pelos políticos, ignorado pelas leis:

“... Os políticos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido.” (20 de maio de 1956)

 “Parece que eu vim ao mundo predestinada a catar. Só não cato a felicidade.” (6 de julho de 1956)

“(...) passei no sapateiro para ver se os sapatos da Vera estavam prontos, porque ela reclama quando está descalça. Estava pronto e ela calçou o sapato e começou a sorrir. Fiquei olhando minha filha sorrir, porque eu já não sei sorrir.” (30 de julho de 1956)

Com todas as dificuldades, Carolina guardava seus livros em um cantinho do barraco e jamais deixou de ler e escrever seus diários. O jornalista Audálio Dantas foi quem a descobriu, quando era repórter. Seu livro foi publicado, ela saiu da favela, mas morreu no esquecimento, em 1977.

Seu amor pelos livros está presente no diário:

“Encontrei um rato morto. Já faz dias que eu ando atrás dele. Armei a ratoeira. Mas quem matou ele foi uma gata preta. Ela é do senhor Antonio Sapateiro. O gato é um sábio. Não tem amor profundo e não deixa ninguem escravisá-lo. E quando vai embora não retorna, provando que tem opinião. Se faço essa narração do gato é porque fiquei contente dela ter matado o rato que estava estragando os meus livros.”

“A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra. E nós quando estamos no fim da vida é que sabemos como a nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro.”

Na edição de 2014, tem algumas curiosidades no final, como a origem do termo "favela", que eu não conhecia, e a menção a adaptações do diário para o cinema, teatro e até um samba de B. Lobo. Fica a lembrança, já que hoje é o centenário do primeiro samba da nossa história, "Pelo telefone".  

Ler e escrever é o que Carolina Maria de Jesus faz para conseguir sobreviver e continuar lutando. Em determinado momento, ela agradece a uma professora que a incentivou a escrever um diário e despertou nela o prazer da leitura. No filme “Escritores da liberdade”, uma história verídica sobre uma turma de alunos do ensino médio nos Estados Unidos tem personagens que lembram a Carolina. E uma professora que mudou a vida deles, incentivando-os a contarem suas histórias em diários, após terem lido “O diário de Anne Frank”. Esse filme deveria ser exibido em todas as escolas de ensino médio e o livro da Carolina Maria de Jesus, lido por seus professores e alunos.



Para encerrar, mais um vídeo.
A filha de Carolina Maria de Jesus realizou o sonho da mãe e tornou-se professora:

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Livro 36 – Deus, um delírio

Richard Dawkins é categórico em “Deus, um delírio” (Companhia das Letras). Em um mundo no qual admitir a descrença gera desconfiança e até acaba afastando as pessoas, admiro sua determinação e honestidade. 

Em tempos de intolerância religiosa, muitas vezes quem não acredita em nada fica de fora de campanhas, políticas públicas e mesmo de protestos contra esse tipo de discriminação. Levei meses para finalmente publicar um post sobre esse livro, quase deixei de fazê-lo. Não odeio ninguém, espero não ser odiada por isso. Observei que os You Tubers que falam sobre esse livro o fazem de forma insegura também, como se fosse desrespeitoso não acreditar em Deus ou questionar sua existência.

Os argumentos de Dawkins deveriam ser lidos também por quem acredita, não para que mudem de ideia, mas para que tenham um contraponto. Assim como quem não acredita pode dar uma lidinha na bíblia ou no alcorão de vez em quando, porque não dói nem tira pedaço. Eu leio até as revistas que Testemunhas de Jeová entregam periodicamente em minha casa. Uma crença (ou descrença) não qualifica ou desqualifica ninguém para nada. Ao menos, não deveria.

O livro é extenso. Li a versão digital e quando me dei conta já estava terminando. Muitos dizem que ele pode ser considerado a bíblia dos ateus. Não acho que essa seja uma comparação justa, porque o livro de Dawkins é cheio de referências históricas, embasamento científico e um trabalho muito sério de busca por qualquer evidências da existência de um poder divino no universo.  É resultado de pesquisa, trabalho, observação atenta do mundo. E como todo cientista, ele está aberto a novas abordagens, evidências, teorias, e preparado para mudar de ideia sem grandes traumas. A bíblia representa o oposto, como qualquer dogma.

Tem dois aspectos que me pareceram fundamentais no livro: a forma como as pessoas se tornam religiosas (aprendendo, desde crianças, a serem assim, se tornando parte de uma religião comum no lugar em que nascem) e o mal que a religião já causou e ainda causa à humanidade. Lembrei do Antônio Abujamra, que ao final das entrevistas do programa "Provocações", da TV Cultura, sempre perguntava: "O que causou mais mal ao mundo, as igrejas ou os bancos?". Acredito que foram as igrejas. Ou seja, ter religião não deveria ser sinônimo de ser alguém justo, honesto, em quem se possa confiar:

“Não acredito que haja um ateu no mundo que demoliria Meca — ou Chartres, a York Minster ou Notre Dame, o Shwedagon, os templos de Kyoto ou, claro, os Budas de Bamiyan. Como disse o físico americano e prêmio Nobel Steven Weinberg, ‘a religião é um insulto à dignidade humana. Com ou sem ela, teríamos gente boa fazendo coisas boas e gente ruim fazendo coisas ruins. Mas, para que gente boa faça coisas ruins, é preciso a religião’. Blaise Pascal disse algo parecido: ‘Os homens nunca fazem o mal tão plenamente e com tanto entusiasmo como quando o fazem por convicção religiosa’. Meu principal objetivo aqui não foi mostrar que não devemos tirar nossos princípios morais das Escrituras (embora essa seja minha opinião). Meu objetivo foi demonstrar que nós (e isso inclui as pessoas religiosas) na verdade não tiramos nossos princípios morais das Escrituras.”

O filme do qual lembrei diversas vezes enquanto lia é “Tentação”, de 2012, que evidencia diversos aspectos do fundamentalismo apontados por Dawkins. Recomendo muito o livro e o filme também.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Livro 35 – A teoria de tudo

O casamento real de Stephen e Jane e a mesma cena no filme.
Em “A teoria de tudo” (Editora Gente), Jane Wilde, que na ocasião da publicação se chamava Jane Hawking, apresenta um relato denso sobre sua vida com Stephen Hawking. O físico, portador de ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica, teve a doença diagnosticada há mais de 50 anos. Na ocasião, ele foi informado de que viveria no máximo dois anos a partir daquele momento.

Jane e Stephen se casaram mesmo com a perspectiva de que ele teria poucos anos de vida. Eles tiveram três filhos. A condição de Stephen piorou gradativamente, mas ele está vivo até hoje. De acordo com um posfácio de 2014 do livro, eles cultivam um bom relacionamento, apesar de terem se divorciado nos anos 90.

Neste caso, eu vi o filme antes de ler o livro. Assisti pela primeira vez em 2014 e fiquei particularmente impressionada com a atuação do ator que fez o papel de Stephen. Também achei interessante a história deles e fiquei com vontade de ler não só o livro que deu origem ao filme, mas também algo escrito por ele. Em 2016, consegui ler “A teoria de tudo”, de Jane Hawking, e também “Uma breve história do tempo”, de Stephen Hawking.

O livro é muito mais abrangente do que o filme. É tão denso que se torna cansativo em alguns trechos. Além disso, a autora se queixa muito das dificuldades que teve em sua vida com Stephen Hawking. De fato, acredito que as coisas tenham sido difíceis e até desesperadoras em alguns momentos e me solidarizo com ela. No entanto, há muitas situações repetidas, histórias contadas mais de uma vez, o que acaba tornando a leitura um pouco maçante.

Já o filme enfatiza os melhores momentos do casal. É um belo filme, leve, provavelmente muito mais leve do que a história dos dois. Acredito que ambos tenham ficado felizes com o resultado. Eles chegaram a acompanhar um dia de gravações pessoalmente.

O título original do livro era “Viagem ao Infinito: A extraordinária história de Jane e Stephen Hawking”. Para quem prefere ficar com a versão mais leve e poética das histórias, recomendo o filme e não o livro. Para quem quer saber mesmo mais sobre a vida deles, que leiam, mesmo que seja denso e longo. Mesmo porque ele tem algumas citações preciosas, como essa, de que gosto muito:

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Livro 34 – Contos do nascer da Terra

Os contos de Mia Couto são incríveis. Já tinha lido, dele, o romance “A confissão da leoa”. Em “Contos do nascer da Terra” (Companhia das Letras), o autor moçambicano traz histórias rodeadas de fantasia, poesia, bonitezas. Inevitável lembrar do poeta brasileiro Manoel de Barros, a quem Mia Couto traz um conto em homenagem, chamado “Miudádivas, pensamentos”:

“Para Manoel de Barros, meu ensinador de ignorâncias”.

Fica difícil selecionar contos para comentar, porque todos eles são muito bons. Logo na introdução do livro, compreendemos porque são contos do nascer da Terra e o autor faz uma linda homenagem ao lado feminino dos seres:

“Não é da luz do sol que carecemos. Milenarmente a grande estrela iluminou a terra e, afinal, nós poucos aprendemos a ver. O mundo necessita ser visto sob outra luz: a luz do luar, essa claridade que cai com respeito e delicadeza. Só o luar revela o lado feminino dos seres. Só a lua revela intimidade da nossa morada terrestre. Necessitamos não do nascer do Sol. Carecemos do nascer da Terra.”

Descobri, com essa leitura, que os contos de Mia Couto podem ser ótimos para ler para crianças. Personagens e cenários despertam a curiosidade dos pequenos, como no conto “A viagem da cozinheira lagrimosa”, que li para meu filho antes de dormir e do qual ele gostou muito.

Assim como Manoel de Barros, Mia Couto esbanja poesia ao inventar expressões e palavras. Como “inventador”, em “A última chuva do prisioneiro”, ou “matutinava”, em “O último voo do tucano”. Em “O fintabolista”, Mia Couto introduz o conto com uma singela homenagem às cidades pequenas, de interior, que apesar de seu provincianismo possuem uma cordialidade preservada em relação aos grandes centros urbanos:

“Ninguém pode imaginar a pequenez da minha cidadezinha. Lá, porém, há gente que me dá os bons-dias”.

É uma leitura deliciosa. Um filme que assisti recentemente, baseado em fatos reais, conta uma história que poderia ter sido inventada por Mia Couto. É um filme inspirador, emocionante. Se passa no Quênia e é sobre um senhor determinado a aprender a ler. No Netflix, o filme está com outro título: “O aluno”.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Livro 33 – A arte de semear estrelas

Conheci Frei Betto na época da faculdade, quando assinei durante alguns anos a revista Caros Amigos. Sempre gostei de ler os artigos dele, mesmo quando não concordava com sua opinião. Em 2015, li “A mosca azul” e agora tive a sorte de encontrar na biblioteca do Sesc esse seu “A arte de semear estrelas”, da Editora Rocco.

São contos e microcontos que em alguns momentos me lembraram o Galeano, em outros o Carpinejar. Isso para não mencionar as referências citadas pelo próprio autor, como Machado de Assis, Coelho Neto, Jorge Luis Borges e outros. Como Guimarães Rosa, nesse trecho:

“O silêncio não é o contrário da palavra. É a matriz. Talhada pelo silêncio, mais significado ela possui. (...) Guimarães Rosa inaugura Grandes Sertões, Veredas com uma palavra insólita: ‘Nonada’. Convite ao silêncio, à contemplação, à mente centrada no vazio, à alma despida de fantasias. Não nada. Não, nada.”

Em “Entre fechaduras e rinocerontes”, o autor conta sobre um sonho em que ele era um rinoceronte e sobre como esse tipo de fantasia povoa seu imaginário desde a infância. É claro que com uma forcinha das artes e da literatura:

“Gosto das esferas elegíacas. Da arte que não exprime lamento, dos primitivistas que ignoram as formalidades acadêmicas. Sou por eflorescências. Quase toda semana irrompem em mim vulcânicas primaveras. São flores de fogo. Procuro fixá-las em retábulos e, em exercícios espirituais, copiá-las em pergaminhos. Somente flores e borboletas superam as obras-primas da arte universal. Mas não sou dado a caçar borboletas.”

Como sua assinatura diz, o autor é Frei. No livro, há algumas referências a Deus e à religião, com as quais não compartilho. No entanto, além de religioso ele é um exímio escritor. Tem muita poesia na prosa dele. Como nessa frase que poderia ser um simples tweet:

“A vida é uma viagem sem bilhete de volta. Resta o consolo do álbum de fotos: a memória.”

O que me fez lembrar de um filme assistido recentemente sobre Ernest Hemingway e seu relacionamento com um jornalista norte-americano. Em um determinado momento em um bar, o autor pede ao jornalista que diga um número de um a dez, e ele diz seis. Então o escritor escreve um microconto com seis palavras:

“Vendo roupas de bebê nunca usadas.” (tradução minha)

O filme é baseado em fatos reais e está na Netflix, chama-se “Ernest Papa Hemingway”, ou também conhecido como “Papa: Hemingway in Cuba”.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Livro 32 – As pessoas dos livros

Gostei desse livro da minha xará, Fernanda Young (As pessoas dos livros, Editora Objetiva). A história é de uma personagem cheia de contradições como todos nós, a escritora Amanda Ayd. Por um lado, uma escritora independente e bem sucedida. Por outro, uma mulher enciumada e com sérios problemas de autoestima.

Gostei demais da capa dessa edição também, com a autora de costas na capa. Comecei a ler assim que o livro chegou e só depois de ter lido algumas páginas eu percebi que na contracapa tinha a foto dela de frente.

O incômodo da personagem com a necessidade de ser feliz o tempo inteiro é uma sensação que eu compartilho com ela. Amanda não tem mais paciência para jantares sorridentes e encontros cheios de hipocrisias com as pessoas das quais ela não gosta, ou que ela nem mesmo conhece.

O fato de a autora ser também roteirista, atriz e apresentadora, fez com que minha expectativa a respeito do livro não fosse muito grande. Preconceito meu, talvez? Muito provavelmente. O fato é que a escrita dela é surpreendente. A citação que mais me chamou a atenção foi a que menciona as reações da personagem enquanto leitora, durante a leitura de Thomas Mann (que ainda não li, mas está na minha lista também):

"Ela lê e relê, e todos os pêlos de seu corpo se levantam, eriçados. As pontas de seus seios saudáveis ficam ainda mais rijas, e a sua pele, toda pontilhada como uma galinha depenada. Só porque Thomas Mann está dizendo que 'não existirá paixão real, qualquer que seja a grande história de amor, o quinto ato derradeiro e fatal de uma ópera, a mais tórrida experiência sexual descontrolada, que seja maior do que a arte. Esta que marca o rosto de quem a domina com sulcos', feliz em deixar deu rastro de destruição. Mas que oferece, em troca de tanta dor, um tipo de supersensibilidade, uma curiosidade por minúncias, e uma única e incomparável capacidade para viver, 'mesmo que num monástico silêncio de existência exterior', o que nenuma vida tomada por esses prazeres todos citados logo acima poderia produzir. O escritor vive o que quiser; e como isso cansa."

Participei de um encontro sobre esse livro e muitas pessoas não gostaram dele. É provável que aconteça com os livros o que acontece com a autora: há quem a admire muito e quem não a suporte. Eu gostei da leitura. Fiquei com vontade de ler outros livros dela. Quem sabe em 2017...

Ao reler alguns trechos para escrever esse relato, lembrei de um filme que assisti há poucos dias na Netflix, chamado “O último capítulo”. Assim como “As pessoas dos livros”, o filme é sobre uma escritora, porém de livros de terror. Não sou muito fã desse gênero, mas acabei assistindo pela temática e não achei ruim.


segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Livro 31 - Macbeth

Finalmente li uma obra de Shakespeare. Até então, já havia assistido filmes, peças, adaptações para crianças e animações. Uma delas foi "Gnomeu e Julieta", de que lembro em detalhes por ter sido a primeira vez que levei meu filho ao cinema. Uma versão de Romeu e Julieta extremamente lúdica, que é mais leve, mas não deixa de carregar a emoção e os momentos tristes da história original. Isso em minha modesta opinião.

A leitura de "Macbeth" foi rápida e fluida. A história de um homem que se torna rei por caminhos tortos, que manipula e é manipulado. "Banhado em sangue, eu cheguei tão longe". Impressiona muito a frieza da esposa de Macbeth. E como não se impressionar com as figuras das bruxas? Hoje é Halloween, então fica aqui minha homenagem a elas.

Mas a fala de Macbeth que me chamou mais a atenção foi essa, proferida durante a batalha:

"A vida é só uma sombra: um mau ator
Que grita, se debate pelo palco,
Depois é esquecido; é uma história
Que conta o idiota, toda som e fúria
Sem querer dizer nada".

Foi depois de ler que assisti ao filme de 2015, baseado nessa obra. Gostei muito, mais do que da leitura. Provavelmente porque a intenção do autor realmente não era ser lido, mas que seus textos fossem interpretados.

Fiquei com vontade de assistir à adaptação cinematográfica de Orson Welles, de 1948.

Será que em algum momento William Shakespeare imaginou que haveriam tantas e tantas representações de suas peças mundo afora? E ainda haverá muitas mais, certamente.

Esse é o trailer do filme "Macbeth" de 2015:



E aqui, o trailer da animação "Gnomeu e Julieta", de 2011:



sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Livro 30 – O cortiço


Esse é um clássico da literatura brasileira que todo mundo deveria ler. “O cortiço” é um estudo sociológico de um grupo de pessoas vivendo em situação de vulnerabilidade. Poderia, perfeitamente, ser adaptado à vida que muitos levam em favelas e ocupações nas grandes cidades hoje.

Aluísio Azevedo tinha toda uma técnica para escrever. Ele chegou a fazer maquetes do cortiço em torno do qual a história acontece. Tratava seus personagens como cobaias, com uma boa dose de frieza e indiferença em alguns momentos.

“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.”

Por outro lado, o autor esbanja sensibilidade e chega a ser poético ao tratar de um tema que até hoje é frequentemente visto como um tabu, que é a menstruação. Até hoje, o sangue menstrual é representado por um líquido azul nos comerciais de absorvente, por exemplo. E em 1890 o autor de “O cortiço” assim descreveu esse momento na vida da personagem Pombinha:

“Nisto, Pombinha soltou um ai formidável e despertou sobressaltada, levando logo
ambas as mãos ao meio do corpo. E feliz, e cheia de susto ao mesmo tempo, a rir e a
chorar, sentiu o grito da puberdade sair-lhe afinal das entranhas, em uma onda vermelha
e quente.”

E ele continua:

“A natureza sorriu-se comovida. Um sino, ao longe, batia alegre as doze badaladas
do meio-dia. O sol, vitorioso, estava a pino e, por entre a copagem negra da mangueira,
um dos seus raios descia em fio de ouro sobre o ventre da rapariga, abençoando a nova
mulher que se formava para o mundo.”

Nos dias atuais, o assunto é um grande tabu, por mais absurdo que isso possa soar. Parece que andamos para trás. É claro que existem artistas de diferentes áreas que se expressam a respeito da menstruação e até militam para que ela deixe de ser vista como algo nojento, impuro, sujo. É o caso da poeta Marina Colasanti, que escreveu o seguinte poema:

“Eu Sou uma Mulher
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Os homens vertem sangue
por doença
sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.
Em nós
o sangue aflora
como fonte
no côncavo do corpo
olho-d’água escarlate
encharcado cetim
que escorre
em fio.
Nosso sangue se dá
de mão beijada
se entrega ao tempo
como chuva ou vento.
O sangue masculino
tinge as armas e
o mar
empapa o chão
dos campos de batalha
respinga nas bandeiras
mancha a história.
O nosso vai colhido
em brancos panos
escorre sobre as coxas
benze o leito
manso sangrar sem grito
que anuncia
a ciranda da fêmea.
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Pois há um sangue
que corre para a Morte.
E o nosso
que se entrega para a Lua”.


Também é o caso da artista plástica e fotógrafa Vanessa Tiegs, que fez as pinturas que aparecem no vídeo com o próprio sangue menstrual, na série chamada de Menstrala:

domingo, 16 de outubro de 2016

Livro 29 - Alice no país das maravilhas

Virginia Davis na gravação do filme de 1923, da Disney.
Foi em 2016 que finalmente li o livro que os britânicos mais fingem ter lido: Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll.

Uma história com tantas versões e releituras que ninguém imagina encontrar grandes novidades no texto original.

Um documentário da Discovery Civilization fala sobre as múltiplas interpretações possíveis e como a obra ultrapassa gerações e pode ser interessante tanto para crianças quanto para adultos:



A verdade ´que, apesar de despertar lembranças de filmes, animações, desenhos e tantas outras representações, a leitura do livro é uma experiência única. Das versões brasileiras com as quais tive contato, uma adaptação infantojuvenil em especial,d traduzida por Ruy Castro, chamou minha atenção.

É uma história incrível, que ainda renderá muitas versões e interpretações mundo afora. Como é o caso da exposição "Experiência Alice", atualmente em cartaz em São Paulo.Como não lembrar, também, de tantas outras? Entre as que lembro estão os filmes de Tim Burton e a peça do Grupo Giramundo, que tive o privilégio de assistir em 2014. A seguir, um trecho:

 

Livro 28 - Antes do baile verde

Como foi bom conhecer e me apaixonar pelos contos de Lygia Fagundes Telles! Tudo começou quando li "Antes do baile verde". Desde então, tenho lido tudo o que encontro dessa autora incrível.
O interesse aumentou ainda mais depois de ouvir o professor Dr. Nilton Resende, da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), autor da edição crítica de "Antes do baile verde", em junho. Sua explanação sobre esse livro, especialmente sobre o conto "Venha ver o por do sol", me deixou com ainda mais vontade de ler tudo o que a Lygia escreveu. Incrível como ela consegue nos ludibriar nesse conto!
Game "As formigas". Fonte: inhamegames.blogspot.com
Ela escancara o que há de mais cruel, e por isso tão honesto e inerente a todos nós, em seus personagens. Suas maldades e dissimulações, assim como as fraquezas e dores mais profundas de cada um deles, nos surpreendem e mexem com nossas próprias lembranças e identidades. Afinal, quem nunca pensou em se vingar de alguém, por exemplo, com direito a requintes de crueldade?
Muitos contos de Lygia Fagundes Telles já viraram filmes, peças, animações e até games. É o caso do conto "As formigas", do livro "Seminário dos ratos".

Depois de ler seus contos (já estou no terceiro livro depois de Antes do baile verde), partirei para os romances. Um deles, "As meninas", virou filme, que já assisti há alguns anos, do qual gostei muito.

Veja um trecho do filme:

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Livro 27 - O escafandro e a borboleta

"O escafandro e a borboleta" foi um dos filmes mais emocionantes que já assisti. Foi em 2013. Na ocasião, lembro de ter gostado muito e assistido novamente alguns dias depois. Só em 2016 descobri que ele era baseado em um relato autobiográfico do Autor, o jornalista Jean-Dominique Bauby.

Trata-se de uma história triste, mas também de determinação e perseverança do autor, que perdeu praticamente todos os movimentos do corpo após um AVC nos anos 90. É poético e de uma sensibilidade ímpar o título dado ao livro. Um contraponto entre o peso de um corpo imóvel - o escafandro - e uma alma ainda muito viva - a borboleta.
Cena do filme, de 2009, dirigido por Julian Schnabel. 

Essa poesia está muito presente também no filme. Uma das cenas que mais me chamou a atenção foi a que mostra o protagonista "ilhado" no mar em sua cadeira de rodas. Sem qualquer contato com o mundo, exceto a capacidade de ver, ouvir e até sentir alguns cheiros ao redor, como os que existem na praia, que mesmo repugnantes para a maioria das pessoas, o fizeram se sentir vivo em determinado momento.
Jean-Do dita o livro para Claude Mendibil (fonte:Wikipedia).


Bauby morreu poucos dias depois de finalizar o livro, que foi todo escrito com ele ditando, letra por letra, com o único movimento que lhe foi preservado: piscando um dos olhos.

Não há como ler um livro desses sem questionar as próprias escolhas e prioridades. Editor da revista Elle em Paris, Bauby vivia uma vida de festas, viagens, luxos. Se, por um lado, o acidente o fez refletir sobre até que ponto essa era uma vida fútil e vazia, por outro, o deixou com saudades imensas de pequenos prazeres, como o de degustar uma saborosa refeição em um bom restaurante.

Falamos sobre esse livro em agosto de 2017, no Clube de leitura e cinema de Sarapuí (post no blog).

domingo, 2 de outubro de 2016

Livro 26 – Diante da dor dos outros

Eu já conhecia e admirava muito Susan Sontag, li alguns ensaios na faculdade e tenho o livro “Sobre fotografia” há muitos anos. Em “Diante da dor dos outros” (Cia das Letras, esgotado em papel, mas disponível digital) , a autora escancara o que temos de mais sombrio. A começar pela imagem escolhida para a capa do livro: alguém está morrendo enforcado enquanto outra pessoa observa, como se fosse um espetáculo. No decorrer do ensaio, outras situações em que seres humanos serviram como “atrações” para outros seres humanos:

Água-forte “Tampoco”, de Goya, que ilustra a capa do livro.
Em geral, os corpos com ferimentos graves que aparecem em fotos publicadas são da Ásia ou da África. Essa praxe jornalística é herdeira do costume secular de exibir seres humanos exóticos — ou seja, colonizados: africanos e habitantes de remotos países da Ásia foram mostrados, como animais de zoológico, em exposições etnológicas montadas em Londres, Paris e outras capitais européias, desde o século XVI até o início do XX.

Susan Sontag traz à tona uma antiga discussão sobre o valor estético de fotografias de guerra. Como imagens dessa natureza são expostas em galerias e ganham prêmios em todo o mundo? Impossível não lembrar das fotos do brasileiro Sebastião Salgado, que tem em seu portfólio livros sobre imigração, movimentos sociais e outras situações difíceis. Suas fotos também podem ser consideradas arte, mas há quem diga que isso seria incoerente. No entanto, Sontag defende a beleza presente em fotos de guerra, bem como a fotografia como forma de arte:

A idéia não cai bem quando se aplica a imagens captadas por câmeras: encontrar beleza em fotos de guerra parece insensível. Mas a paisagem da devastação ainda é uma paisagem. Existe beleza nas ruínas. (...) Transformar é o que toda arte faz, mas a fotografia que dá testemunho do calamitoso e do condenável é muito criticada se parece “estética”, ou seja, demasiado semelhante à arte. (...)A foto dá sinais misturados. Pare isto, ela exige. Mas também exclama: Que espetáculo!

Mais adiante, a autora menciona Sebastião Salgado e procura compreender suas intenções ao expor e publicar as fotos de sua série “Êxodos”:

Tiradas em 39 países, as fotos de migração de Salgado reúnem, sob esse único título, uma multidão de causas e de modalidades de infortúnio diversas. Fazer o sofrimento avultar, globalizá-lo, pode incitar as pessoas a sentir que deveriam “importar-se” mais.

Avançando para as fotos de guerra preservadas e reproduzidas exaustivamente, a exemplo dos registros dos campos de concentração nazista - citando Hannah Arendt para alertar que esses registros foram efetuados depois da entrada dos aliados nesses campos – Susan Sontag passa a questionar o que se convencionou chamar de memória coletiva. Ela existe mesmo ou é algo em que nos tentam fazer acreditar?

Toda memória é individual, irreproduzível — morre com a pessoa. O que se chama de memória coletiva não é uma rememoração, mas algo estipulado: isto é importante, e esta é a história de como aconteceu, com as fotos que aprisionam a história em nossa mente.

O livro é de 2003. Portanto, anterior ao advento do Facebook e de outras redes sociais. No entanto, a mídia já ditava muitas regras e a vontade de virar celebridade instantaneamente fazia parte do dia a dia. As representações passaram a ser a única realidade conhecida. Poderia perfeitamente traduzir o que acontece hoje em nossas vidas virtuais:

Segundo uma análise muito influente, vivemos numa “sociedade do espetáculo”. Toda situação tem de se transformar em espetáculo para ser real — ou seja, interessante — para nós. As próprias pessoas aspiram a tornar-se imagens: celebridades. A realidade renunciou. Só existem representações: mídia.

Se só o que existe são representações, o que fazer com aquelas que nos fazem sofrer? Como encarar as representações do que de mais cruel já foi realizado por nós, seres humanos, a outros seres humanos? Não resta dúvida de que essas imagens não devem ser esquecidas. Precisamos olhar para elas, sentir o mal que elas nos fazem sentir, lembrar que não queremos mais imagens que causem esse tipo de sofrimento. O desafio é: como e onde fazer isso?  Para Susan Sontag, falta espaço para esse tipo de contemplação no mundo.

Certas fotos — emblemas de sofrimento, como o instantâneo do garotinho no Gueto de Varsóvia em 1943, de mãos levantadas, arrebanhado na direção de um veículo, rumo ao campo de extermínio — podem ser usadas como advertências, como objetos de contemplação destinados a aprofundar o sentido de realidade de uma pessoa; como ícones seculares, se preferirem. Mas isso pareceria exigir o equivalente a um espaço sagrado ou meditativo para olharmos essas fotos. Um espaço reservado para sermos sérios é algo difícil de conseguir na sociedade moderna, cujo modelo principal de espaço público é a megastore (que também pode ser um aeroporto ou um museu).

O livro é excelente. Desses que a gente abre e só fecha depois de terminar.

O fotógrafo Sebastião Salgado ficou alguns anos sem trabalhar depois da publicação da série Êxodos. Essas questões sobre a beleza em fotos que mostram sofrimento também mexeram com ele. O documentário de Wim Wenders, “O sal da terra”, conta um pouco essa história. O filme concorreu ao Oscar de Melhor Documentário em 2015. Gostei muito.


sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Livro 25 – Na pele de uma jihadista

A jornalista Anna Erelle revela, em “Na pele de uma jihadista: a história real de uma jornalista recrutada pelo Estado Islâmico” (Companhia das Letras, 2015), sua aventura cibernética na pele de uma adolescente francesa atraída pelo Estado Islâmico. Já acostumada a interações com extremistas como jornalista, ela cria um perfil de uma jovem convertida ao islã, que estaria interessada em se juntar ao grupo na Síria.

A cumplicidade do namorado dela e da equipe do jornal para o qual a reportagem está sendo escrita são fundamentais para que o disfarce funcione. Ao se ver comprometida com um personagem importante do grupo extremista, no entanto, a situação se agrava. Admiro muito a coragem da jornalista ao se expor dessa forma. Depois que a matéria foi publicada, ela passou a sofrer ameaças constantes. Não demorou para que seguidores do Estado Islâmico percebessem que a jovem “Melodie” era, na verdade, a jornalista Anna Erelle (que na verdade é um pseudônimo). Até hoje, ela vive escondida.

É assustador saber que existem muitas meninas que acreditam, de fato, no que a personagem criada pela jornalista afirmava crer. Elas se convertem e partem para regiões em guerra para se juntar a seus noivos, que conheceram pela internet, os quais geralmente têm muitas esposas. A esperança é de viver em um mundo que segue a Sharia, a lei islâmica seguida por fundamentalistas, que exige, entre outras obrigações, que as mulheres se cubram totalmente, com apenas os olhos descobertos. 

Assim como o fotógrafo que trabalha com Anna durante a maior parte das interações com Bilel, o extremista que a quer como esposa, é provável que qualquer leitor se sinta desconfortável com a transcrição dos diálogos entre ambos pelo Skype. O combatente já considera a jovem como sua. Entre juras de amor e exigências de fidelidade, porém, ele acaba mencionando aspectos da atuação do grupo que são relevantes, jornalisticamente, o que faz com que ela continue suportando essa farsa.

O relato mostra como meninas são recrutadas em todo o mundo pelo Estado Islâmico, sem o uso de armas de fogo ou violência física. Só o que eles precisam para esse recrutamento é usar as redes sociais para atrair suas presas. É assustador saber que nesse momento há jovens caindo nessa armadilha.

 “Pouco importa o meio social ou as secretas motivações de cada um: a organização terrorista tem argumentos imbatíveis para atraí-los em suas redes. […] A organização cria a ilusão de dar valor a esses meninos perdidos para melhor valorizá-los e reformatá-los. […] Afinal, sua arma favorita é a internet, e os pobres jihadistas aprendizes só passam do status de massa de manobra digital para o de bucha de canhão. Prova disso é Melodie, que, em pouco mais de 48 horas, já está prometida a um casamento por amor e a uma vida idílica.” (pg. 61)

Nesse aspecto da conquista de presas pela internet, não há como não lembrar de um filme que nada tem a ver com qualquer guerra ou o Estado Islâmico, mas que tem como trama a conquista de uma menor de idade por um pedófilo através da internet.

domingo, 4 de setembro de 2016

Livro 24 - Os amantes de minha mãe

Esse é um daqueles livros com os quais tomamos contato por acaso. Comprei ele em uma promoção, em uma loja de conveniência. Havia vários títulos disponíveis, escolhi alguns e olhei atentamente as capas, li as sinopses e orelhas enquanto tomava um suco. O livro de Christopher Hope, "Os amantes de minha mãe" (Editora Record), foi o escolhido.

Logo no começo, me agradaram algumas passagens em que outros escritores são mencionados como amigos de Kathleen, a mãe do protagonista Alexander, narrador da história. Karen Blixen é uma delas. "Sua admiração por Karen Blixen, a quem ela visitou algumas vezes quando era menina, não tinha nada a ver com o caso de amor de Blixen pelos planaltos quenianos; o motivo era mais simples: - Meu Deus, como aquela mulher sabia matar leões!"

Os diálogos entre mãe e filho são carregados dos mais variados sentimentos. Uma relação complexa, como toda relação familiar:

"- Aquela exibida! Um desses estrangeiros que vêm para cá e romantizam a África. Nascido em liberdade uma ova! Deixe-me dizer-lhe uma coisa, rapaz, nada e nem ninguém nasce livre; nenhum de nós pode alegar isso;  a liberdade é algo que você tem que trabalhar para conseguir e lutar para conservar.
- Sim, mãe.
- Não diga 'Sim, mãe' para mim.
- Não, mãe."
O fascínio da mãe pela África, por viajar e conviver com diferentes culturas e biomas, faziam dela um grande desafio a ser encarado pelo filho desde criança. Mesmo após a morte.

"- Você vai cair no rio e vai ser levado por crocodilos.
Eu não fiquei nem um pouco preocupado, em sempre tive a impressão de ter caído, muito tempo antes, dentro de algo tão profundo e marrom e caudaloso quanto o Tugela, e de ter sido levado, e ainda não tinha me afogado. Mães era onde você se afogava. O Tugela era apenas um rio, e com rios eu sabia lidar."

O desfecho da história não é menos surpreendente.  Ao ser obrigado a refazer passos da vida da mãe para distribuir sua herança, Alexander se vê envolvido em outras histórias e passa a conhecer a própria mãe um pouco melhor, a vê-la de outro ponto de vista. Livro excelente. Fiquei triste quando acabou.

Com a menção a Karen Blixen e sua paixão pelo Quênia, lembrei de seu livro "África minha" e da versão para o cinema, que em português chama-se "Entre dois amores", que levou 7 prêmios no Oscar de 1985.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Livro 23 - O assassinato de Roger Ackroyd

Finalmente tive a oportunidade de ler um dos livros da rainha do crime Agatha Christie. Em "O assassinato de Roger Ackroyd", o detetive Hercule Poirot, personagem que está em mais de 40 livros da autora, é o protagonista.

Recém chegado à cidade em que acabou de acontecer um assassinato, ele desvenda o mistério no decorrer da história.

A cada novo capítulo, surgem outros suspeitos e novas pistas. A narrativa nos envolve, queremos saber o que o detetive está pensando. Pude perceber que o estrondoso sucesso da escritora não foi à toa. Ela escreve de um jeito envolvente, nos captura e também nos engana. Conversamos sobre essa obra no Clube de Leitura de Sarapuí e teve até marcador de página personalizado com o bigode de Poirot.

Agatha Christie tem mais de 80 livros publicados. Seus suspenses foram traduzidos em todo o mundo e deram origem a filmes, séries, programas de TV. No entanto, falta um filme sobre a vida dela. Felizmente, há previsão de dois longas sobre ela para os próximos anos, com as atrizes Alicia Vikander e Emma Stone cotadas para representarem a escritora (notícia aqui).

Em 1926, um episódio pitoresco aconteceu e costuma ser lembrado quando se fala na autora. Ela simplesmente desapareceu por 11 dias, logo após se separar do marido. Dizem até que o fato ajudou a alavancar as vendas de seus livros e pode ter contribuído para o sucesso da escritora.

Encontrei diversos episódios da série britânica "Poirot", baseada em obras de Agatha Christie, disponíveis para assistir, com legendas, nesse site. Mas meu maior achado foi o episódio "O assassinato de Roger Ackroyd". Infelizmente, não está legendado e a qualidade do vídeo também não é lá das melhores, mas como gostei da história eu assisti. A atuação do ator que representa Hercule Poirot vale o play:

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Livro 22 - Moça com brinco de pérola

Esse é mais um daqueles livros que eu li depois de ter visto o filme. No caso de "Moça com brinco de pérola", de Tracy Chevalier, assisti ao filme inspirado no livro em 2003, no cinema. Lembro que na ocasião fiquei deslumbrada com a fotografia do filme e intrigada com a trama que envolvia um artista e uma obra de arte, a pintura que dá título ao livro, ambos reais.

Sobre o livro, só fui ter contato com ele em 2016, motivada pela busca por autoras em função do movimento Leia Mulheres, que tem clubes de leitura por todo o país que se dedicam à leitura de escritoras brasileiras e estrangeiras, clássicas e contemporâneas.

É uma leitura que flui muito bem e tem uma riqueza de detalhes nas descrições de cada atmosfera, de cada ambiente e, principalmente, das pinturas e do trabalho do artista Johannes Vermeer. Particularmente, relembrei de muitas cenas do filme ao ler e, assim como quando assisti, novamente na leitura gostei muito das referências à câmara escura, precursora da câmera fotográfica, como ferramenta de trabalho do pintor.

A curiosidade e o fascínio que o equipamento desperta nos personagens tem algo de mágico. Como amante da linguagem fotográfica, não poderia deixar de ressaltar esse aspecto do livro, que também tem vez na versão da história adaptada para o cinema.

Fiquei com muita vontade de rever o filme, que tem Scarlet Johanson como protagonista, no papel de Griet, a empregada protestante contratada para trabalhar na casa da família católica do artista plástico Vermeer. Essa é a cena em que ela vê a câmara escura pela primeira vez e aprende a preparar as tintas:

 

Tive a oportunidade de visitar uma exposição que tem uma versão do quadro que deu origem ao livro e ao filme. É uma "Moça com brinco de pérola" feita com peças de Lego. Depois de assistir ao filme, ler o livro e ver um simulacro do quadro, espero ter um dia a oportunidade de estar frente a frente com o original de Vermeer, em exposição no Mauritshuis Museumn, em Haia, na Holanda.


quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Livro 21 – Um útero é do tamanho de um punho

Foi navegando na internet que descobri Angélica Freitas. Mais especificamente, em uma dessas listas do tipo “As dez melhores autoras brasileiras” ou “Cinco livros sobre a condição feminina”.  Gaúcha, como eu, ela traz em seus poemas algumas referências à vida no Rio Grande do Sul.

Entre risadas e algum amargor na boca, os poemas em "Um útero é do tamanho de um punho", editado pela extinta editora Cosac Naify, falam muito sobre o ser mulher, se ver mulher, se aceitar como mulher. O poema que dá título ao livro é um dos mais fortes, um grito pelos direitos das mulheres para decidir, por conta própria e sem qualquer tipo de interferência da política, da religião ou dos homens,  o que fazer com o próprio corpo. Os poemas estão divididos em subtítulos:  “Uma mulher limpa”; “Mulher de”; “A mulher é uma construção”; “3 poemas com auxílio do Google”; “Argentina” e “O livro rosa do coração dos trouxas”.

Os poemas escritos com auxílio do Google revelam muito sobre como o machismo ainda está presente. Para escrevê-los, a autora digitou, no buscador, alguns inícios de frases com a palavra mulher. O que se revelou foi um mar de preconceito, machismo e misoginia entre os assuntos mais pesquisados, que o preenchimento automático indica nesses casos. Por exemplo: A mulher quer (primeira opção: ser amada; segunda opção: um cara rico).





Gostei de um poema em particular, que diz muito sobre a família tradicional brasileira, aquela em que a mulher trabalha muito mais e ganha muito menos dinheiro e reconhecimento que o homem:

Mulher de valores

era bem de sagitário
e o primeiro que fazia
era dar bom dia, dia
à janela
depois acordava os filhos
e ao marido lhe dizia
deus ajuda quem madruga
seu madruga
despachava a família
 e ligava o notebook
conectava-se à bolsa
de valores
e lá fazia horrores
porque tinha feito um curso
de como operar a bolsa
na fiergs
investia alguma coisa
e ganhava coisa alguma
que investia novamente
no mercado
e quando chegavam os filhos
e chegava o marido
eles comiam congelados
da sadia
às onze os despachava
e abria o notebook
pra jogar o seu mahjong
descansada
mal podia esperar
que chegasse a manhã
e reabrisse a sua bolsa
de valores
de valores
de valores

A leitura desse livro, principalmente do poema que dá título a ele, me fez lembrar de um filme que assisti recentemente, sobre uma moça que engravida do namorado sem querer e pede a ajuda da avó para conseguir fazer um aborto, mas acaba tendo que pedir ajuda à mãe para pagar pelo procedimento. É uma história que seria banal, se o acesso ao aborto não fosse tão cheio de caraminholas e tabus que não só dificultam a vida de quem opta por interromper uma gravidez, como acaba causando a morte de muitas mulheres que são obrigadas a apelar para verdadeiros açougues e muitas vezes não voltam mais.

Se é complicado assim nos Estados Unidos, país em que o aborto é legal até determinado período da gravidez, imagina se a situação ocorresse no Brasil...



Além disso, a gravidez indesejada faz com que neta e avó se tornem mais próximas, em uma história bonita de cumplicidade e carinho entre as duas. Recomendo muito esse filme e o livro da Angélica Freitas também.


sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Livro 20 - Os sofrimentos do jovem Werther


Aos poucos, vou aprendendo a gostar daqueles clássicos que nos tentam fazer ler antes de estarmos preparados para isso. "Os sofrimentos do jovem Werther", de Johann Wolfgang Goethe, é um desses livros que todo mundo deveria ler. Dizem que essa obra divide a literatura alemã em dois momentos, antes e depois de sua publicação em 1774. Mas talvez seja mais do que isso.

Contada através de cartas escritas pelo protagonista a um amigo, a história extrapola os sofrimentos e as angústias de Werther de forma pungente. Entre sonhos e desejos, em alguns relatos surgem pensamentos relacionados à morte, não só do próprio Werther, mas de pessoas que impedem a realização de seus planos e a concretização de um relacionamento com Carlota:

"Num piscar de olhos tudo se modifica em mim. Por vezes um doce clarão devida que voltara a surgir e iluminar-me com uma vaga claridade, mas ah... ele dura apenas um momento! Quando me perco assim em sonhos, não posso expulsar esta ideia: ora, e se Alberto morresse! Tu virias... sim, ela viria a ser... E eu sigo a alucinação, até que ela me conduza ao abismo, à beira do qual me detenho e recuo a tremer."

Entre as declarações de amor, manifestações de ciúme e descrições de dilemas existenciais, o autor traz algumas críticas sociais, à dedicação incondicional ao trabalho, ao que hoje chamaríamos de consumismo talvez (como no trecho da imagem ao lado).

Houve alguns suicídios atribuídos ao romance, na época de sua publicação na Alemanha. Atualmente, a "Síndrome de Werther" é como chamam a vontade de se suicidar que acomete adolescentes e jovens. Um tema delicado, ainda visto como tabu, mas sobre o qual é preciso falar. Aqui tem uma matéria interessante, de 2014 que foi publicada logo após o suicídio de duas adolescentes, uma no sul do país, outra no nordeste, após terem imagem íntimas divulgadas na internet. 

Em 2009, foi lançado o primeiro longa-metragem do premiado diretor Esmir Filho (curta-metragens 'Saliva', 'Alguma Coisa Assim', 'Tapa na Pantera'), baseado no romance homônimo de Ismael Caneppele. Lembrei desse filme ao terminar de ler "Os sofrimentos do jovem Werther". 



segunda-feira, 18 de julho de 2016

Livro 19 - Quarto

“Minha cabeça vai explodir, com todas essas coisas novas em que tenho que acreditar.”
Gravações de "O quarto de Jack".

Que descoberta a escritora irlandesa Emma Donoghue! O livro “Quarto” inspirou o filme “O quarto de Jack”, cujo roteiro foi escrito pela própria autora. A leitura já surpreende nas primeiras páginas, talvez pelo fato de a história ser toda contada pelo menino Jack, de apenas cinco anos. A maestria da autora ao incorporar esse narrador é tanta, que dá até impressão de ouvir uma criança falando enquanto lemos.

No decorrer da narrativa, a autora fornece pistas sobre a situação em que Jack e sua mãe, Joy, se encontram. O mundo, para o menino, se resume ao cômodo em que ele vive com ela, desde que nasceu. Joy foi sequestrada aos 17 anos e teve o filho no cativeiro. Ambos não têm qualquer contato com o mundo exterior e o menino cresce acreditando que as imagens da TV só existem lá e que além das paredes do quarto está o espaço sideral. O quarto em que vivem é pequeno e não tem janelas. Uma claraboia é a única abertura para o mundo lá fora. Em sua rotina diária, existe sempre um momento em que os dois gritam alto. Para o menino, é uma brincadeira. Para sua mãe, mais uma tentativa de serem ouvidos e, quem sabe, resgatados.

O livro é surpreendente em vários aspectos. O amor dessa mãe pelo filho talvez seja o principal deles. Como uma criança é libertada de um cativeiro no qual nasceu e depois do resgate pede para voltar para lá? Emma Donoghue mostra, em “Quarto”, o quanto nosso mundo depende das pessoas ao nosso redor. Joy e Jack salvam um a vida do outro, o tempo inteiro.

Momentos de tensão expectativa também são muito presentes nessa obra. Ao passar alguns dias sem energia no quarto, a mãe elabora um plano ousado para que os dois consigam escapar. A decisão radical é tomada por temer que ela e o filho acabem morrendo de fome ou de alguma doença, caso não fossem mais visitados pelo Velho Nick, que é como eles chamam o sequestrador, o único que possui a senha que dá acesso ao cativeiro.

Como conseguir interromper a leitura? É um livro para ser devorado. Provavelmente por ter um roteiro adaptado pela própria autora, o filme “O quarto de Jack” também emociona e traz, inclusive, elementos que não constam no livro, mas vão totalmente de encontro com a história e poderiam, perfeitamente, compor a narrativa também.

Infelizmente, há histórias reais que também poderiam ser reconhecidas, tanto no livro quanto no filme. Da mesma forma, algumas impressões do menino Jack fazem muito sentido em relação à forma como vivemos hoje. “As pessoas do Lá Fora não são como nós, elas têm um milhão de coisas e tipos diferentes de cada coisa”. “Essa gente de jornal entende mal uma porção de coisas. Gente de jornal, isso parecia as pessoas da Alice, que na verdade são um baralho de cartas”. Até um clube de leitura é mencionado pelo menino! Em certa altura, ele comenta: “Elas eram o clube do livro da Vovó, mas não sei por quê, pois não estavam lendo livro nenhum”.

Emma Donoghue já publicou mais de 15 livros. O primeiro deles foi sobre a cultura lésbica britânica entre 1668 e 1801. Ela vive com seus dois filhos e a companheira, atualmente, na França. “Quarto” foi o primeiro livro dela traduzido para o português, depois do sucesso do filme, que rendeu à atriz Brie Larson o Oscar de Melhor Atriz na premiação de 2016. Obrigada, Hollywood.

(Texto postado originalmente no site do Leia Mulheres: Quarto)

Trailer do filme "O quarto de Jack":


sexta-feira, 15 de julho de 2016

Livro 18 – Capitães da areia

Este é um daqueles livros que nos obrigam a ler quando ainda não estamos preparados para usufruir da experiência dessa leitura. Eu li “Capitães da areia”, de Jorge Amado, pela primeira vez, aos 12 ou 13 anos. Lembro de até ter gostado, mas certamente não tive condições de usufruir desse clássico naquela ocasião.

Dessa vez, a leitura trouxe mais um desafio: eu teria que mediar, pela primeira vez, um encontro de leitores, sobre esse livro. Para complicar um pouco mais, eu teria que ler e fazer minhas anotações em um período no qual precisei pegar a estrada diversas vezes. Foi por isso que a leitura desse livro se deu em três suportes diferentes: o livro físico, que precisei devolver para a biblioteca quando estava chegando à metade da história; o livro digital, que passei a ler em seguida; e o áudio-livro. Resolvi aproveitar para ouvir o livro enquanto dirigia e foi uma experiência muito interessante.

A desvantagem de ouvir o livro dirigindo é não ter como fazer anotações ou marcações. No entanto, foi uma ótima saída para conseguir chegar ao final do livro em tempo. Além disso, o áudio tinha excelente qualidade e uma narração, em minha opinião, no ritmo ideal – nem lenta, nem rápida demais.

A história dos meninos que vivem em um trapiche, em Salvador, cometendo furtos e outros delitos para sobreviver, é um exemplo de literatura voltada à crítica social. Jorge Amado transforma em protagonistas crianças abandonadas, que vivem à margem da sociedade. O livro chegou a ser queimado e proibido no Brasil, na época da Ditadura Militar. Jorge Amado, assim como outros escritores, artistas e intelectuais dos anos 30, época em que o livro foi escrito (1937), era declaradamente comunista, posição perceptível nessa e em muitas de suas obras. Saber de tudo isso enriquece a leitura.

Em 2011, foi lançado um filme inspirado no livro, dirigido por Cecília Amado. Já faz alguns anos que assisti. Lembro de ter gostado, mas me decepcionado um pouco com algumas atuações. A fotografia é linda, o que não surpreende, já que as gravações ocorreram em Salvador.