Maria Valéria Rezende (foto: Roberto Menezes). |
O livro de
Maria Valéria Rezende publicado pela Alfaguara, “Quarenta dias”, estava na
minha lista de leitura por ter recebido o prêmio Jabuti de melhor obra de
ficção. A história é dessas que começam e, quando nos damos conta, já terminou.
Me identifiquei,
particularmente, com as dificuldades linguísticas da personagem, após uma mudança
de João Pessoa, na Paraíba, para a capital gaúcha, Porto Alegre. No meu caso, a
mudança foi do Rio Grande do Sul para São Paulo, mas as situações engraçadas e
constrangedoras que ela passa me fizeram lembrar, inevitavelmente, de termos e
expressões tipicamente paulistas que eu não conhecia e com as quais levei algum
tempo para me familiarizar.
É claro que
ela menciona o uso da palavra “cacetinho”, que a princípio pode parecer uma
ofensa, mas no sul significa nada mais do que pão francês. Outro momento
engraçado é quando ela pede um “tiquinho” a mais de café e o funcionário do
estabelecimento a alerta para usar “bocadinho” ou “pouquinho”, para evitar
equívocos, já que tiquinho quer dizer outra coisa em Porto Alegre (nada menos
que um pênis pequeno).
A inovação
está na forma de contar a história, como se nós, leitores, fôssemos um caderno
antigo com uma boneca Barbie na capa, a quem a personagem relata algumas de
suas peripécias durante quarenta dias vagando por Porto Alegre, sem rumo, sem
voltar para o apartamento que não reconhecia como seu. Para escrever o livro, a
autora realizou um laboratório e passou alguns dias entre moradores de rua.
Coincidência ou não, a protagonista desse livro também se chama Alice, assim como em "Para sempre Alice", o livro 4 deste desafio. Além disso, também estou lendo, neste momento, "Alice no país das maravilhas", de Lewis Carroll (o livro que os britânicos mais fingem ter lido, de acordo com uma pesquisa recente da BBC Store, mencionada aqui). Por sinal, Maria Valéria Rezende faz diversas associações entre a sua personagem e a de Carroll, no decorrer de "Quarenta dias". Como nos trechos a seguir:
"Desconfiada, lembrando-me de minha xará, de que as chaves nem sempre são o que parecem e podem estar muito além de nosso alcance, tive vontade mas não ânimo pra levantar-me e ir verificar se fechavam e abriam mesmo aquela porta."
"À toa, como minha xará pelos caminhos de Wonderland, zanzei por bosques e gramados até dar num laguinho alongado, com um repuxo de água no meio, junto à margem uma fileira de pedalinhos em forma de aves, não, Barbie, não eram os flamingos da Rainha e nem estavam sendo maltratados, eram cisnes, falsos mas brancos cisnes, sem dúvida, e àquela hora ainda descansavam tranquilos."
Se o livro
já estava na minha lista, a autora ganhou meu coração quando li, ainda em 2015, “O vôo da guará vermelha”, prefaciado pelo Frei Betto, que
admiro há muito tempo. Eu devorei os dois livros da autora e não vejo a hora de
lê-la novamente. Recomendo muito. Virei fã.
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