terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Livro 6 – Quarenta dias

Maria Valéria Rezende (foto: Roberto Menezes).
O livro de Maria Valéria Rezende publicado pela Alfaguara, “Quarenta dias”, estava na minha lista de leitura por ter recebido o prêmio Jabuti de melhor obra de ficção. A história é dessas que começam e, quando nos damos conta, já terminou.

Me identifiquei, particularmente, com as dificuldades linguísticas da personagem, após uma mudança de João Pessoa, na Paraíba, para a capital gaúcha, Porto Alegre. No meu caso, a mudança foi do Rio Grande do Sul para São Paulo, mas as situações engraçadas e constrangedoras que ela passa me fizeram lembrar, inevitavelmente, de termos e expressões tipicamente paulistas que eu não conhecia e com as quais levei algum tempo para me familiarizar.

É claro que ela menciona o uso da palavra “cacetinho”, que a princípio pode parecer uma ofensa, mas no sul significa nada mais do que pão francês. Outro momento engraçado é quando ela pede um “tiquinho” a mais de café e o funcionário do estabelecimento a alerta para usar “bocadinho” ou “pouquinho”, para evitar equívocos, já que tiquinho quer dizer outra coisa em Porto Alegre (nada menos que um pênis pequeno).

A inovação está na forma de contar a história, como se nós, leitores, fôssemos um caderno antigo com uma boneca Barbie na capa, a quem a personagem relata algumas de suas peripécias durante quarenta dias vagando por Porto Alegre, sem rumo, sem voltar para o apartamento que não reconhecia como seu. Para escrever o livro, a autora realizou um laboratório e passou alguns dias entre moradores de rua.

Coincidência ou não, a protagonista desse livro também se chama Alice, assim como em "Para sempre Alice", o livro 4 deste desafio. Além disso, também estou lendo, neste momento, "Alice no país das maravilhas", de Lewis Carroll (o livro que os britânicos mais fingem ter lido, de acordo com uma pesquisa recente da BBC Store, mencionada aqui). Por sinal, Maria Valéria Rezende faz diversas associações entre a sua personagem e a de Carroll, no decorrer de "Quarenta dias". Como nos trechos a seguir:

"Desconfiada, lembrando-me de minha xará, de que as chaves nem sempre são o que parecem e podem estar muito além de nosso alcance, tive vontade mas não ânimo pra levantar-me e ir verificar se fechavam e abriam mesmo aquela porta."

"À toa, como minha xará pelos caminhos de Wonderland, zanzei por bosques e gramados até dar num laguinho alongado, com um repuxo de água no meio, junto à margem uma fileira de pedalinhos em forma de aves, não, Barbie, não eram os flamingos da Rainha e nem estavam sendo maltratados, eram cisnes, falsos mas brancos cisnes, sem dúvida, e àquela hora ainda descansavam tranquilos."

Se o livro já estava na minha lista, a autora ganhou meu coração quando li, ainda em 2015, “O vôo da guará vermelha”, prefaciado pelo Frei Betto, que admiro há muito tempo. Eu devorei os dois livros da autora e não vejo a hora de lê-la novamente. Recomendo muito. Virei fã. 

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domingo, 14 de fevereiro de 2016

Livro 5 – Presos que menstruam


Foto de capa do livro: Ueslei Marcelino (Reuters).

Esse eu consegui ler antes de virar filme, o que acontecerá em breve. “Presos que menstruam”, de Nana Queiroz (Editora Record), foi minha quinta leitura de 2016. Levou dois dias. São histórias de condenadas que vivem em prisões brasileiras e de outras, que já cumpriram suas penas. Revelam um sistema que desconsidera por completo que mulheres têm necessidades básicas diferentes das dos homens, como mais papel higiênico (tão óbvio, mas não levado em consideração) e absorventes (mais de oito unidades por mês, que é o que é entregue a elas).

A imensa maioria das mulheres é presa pelos chamados crimes “de suplementação de renda”. Na ocasião da publicação do livro, em julho de 2015, 345 crianças viviam em presídios com suas mães.  Elas têm direito de ficar com seus bebês até os seis meses, mas muitas vezes são obrigadas a dormir com eles no chão, porque não há infraestrutura. As narrativas prendem, emocionam, causam revolta e até mal estar, não no mesmo nível que “Holocausto Brasileiro”, de Daniela Arbex, que li ainda em 2015. Mas quase isso.

Com a publicação do livro, surgiram algumas iniciativas pelo país para ajudar as presidiárias, que vão desde a doação de absorventes a voluntários que se dispõem a levar bebês e crianças que vivem nas prisões para passear. Isso porque essas crianças também acabam privadas de liberdade em função da pena de suas mães.

A autora, durante a campanha "Não mereço ser estuprada".
Particularmente, a história da índia que foi presa junto com seu bebê de colo me comoveu. Assim como outras personagens, essa também volta a aparecer em outro capítulo, mais para o final do livro. É quando a autora se aproxima do filho dela, o pequeno Eru. Esse deve ter sido um encontro lindo.

O livro vai virar filme em 2016 e terá como protagonista Gardênia, uma das personagens que foram entrevistadas pela autora. Será produzido pela OF Produção Cultural. Nana Queiroz também foi a responsável pela campanha “Não mereço ser estuprada”, que alcançou grande repercussão nas mídias sociais em 2014.


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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Livro 4 - Para sempre Alice

Minha quarta leitura de 2016 aconteceu por acaso. Comprei o livro "Para sempre Alice", de Lisa Genova, por impulso, e por ter gostado muito do filme inspirado nele (pelo qual Julianne Moore ganhou o Oscar de Melhor Atriz, muito merecido diga-se de passagem, em 2015). Em tempo: não concordo com a tradução do título, que parte do original "Still Alice" (Ainda Alice).


Minha edição do livro é capa filme, mas depois de ler fiquei com vontade de adquirir a edição anterior, com uma borboleta na capa. Isso porque um dos trechos de que mais gostei explicita a relação das características dessa espécie com a história da protagonista, diagnosticada com Mal de Alzheimer precoce:

Capas das edições de "Still Alice" ou "Para sempre Alice".
"... gostava de coisas que lhe lembrassem borboletas. Recordava-se de um dia, aos seis ou sete anos, em que havia chorado no quintal pelo destino dessas criaturas, ao saber que elas só viviam durante alguns dias. A mãe a havia consolado, dizendo que não ficasse triste pelas borboletas, porque o simples fato de a vida delas ser curta não significava que fosse trágica. Vendo-as voarem ao sol quente em meio às margaridas do jardim, a mãe lhe dissera: 'Está vendo? Elas têm uma vida linda.' Alice gostava de se lembrar disso."

Assim como me emocionei no cinema, isso se repetiu com a leitura do livro. É aterrador saber que existe uma doença como essa, em que a pessoa simplesmente deixa de existir e continua vivendo. Mais aterrador ainda é saber que ela pode se manifestar muito mais cedo do que se supõe (a personagem tem os primeiros sintomas antes dos 50 anos).

Algumas outras referências me chamaram a atenção, como Tim Burton e Dr. Seuss (O Lórax):

"O sol de fim de tarde lançava sombras estranhas, como num filme de Tim Burton, que deslizavam e ondulavam no chão e subiam pelas paredes".

"Temos a sensação de não estar nem cá nem lá, como um personagem doido do Dr. Seuss numa terra bizarra (...) Podemos ajudar uns aos outros, tanto os pacientes com demência quanto os que cuidam deles, a navegar por essa terra do nem lá nem cá do Dr. Seuss."

Para quem viu o filme, vale ler o livro também. Para quem não viu o filme nem leu o livro ainda, sugiro ler primeiro e assistir depois. E se preparar para se emocionar duas vezes.

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Livro 3 – Desperdiçando rima

Minha terceira leitura de 2016 foi muito rápida. Em três dias, devorei “Desperdiçando rima”, estréia da artista Karina Buhr na literatura (livro publicado pela Fábrica 231, selo da Editora Rocco). Confesso que meu interesse surgiu por admirar o posicionamento dela em relação a temas como machismo, aborto, ocupação das cidades (particularmente, sua participação no Ocupe Estelita, de Recife).
Outro aspecto que me chama a atenção é o fato de se tratar de uma multiartista, a exemplo de Arnaldo Antunes, que sempre admirei, e também de Amanda Palmer, cuja obra “A arte de pedir” estou lendo para o #leiamulheres.
A verdade é que as rimas desperdiçadas de Karina Buhr mexeram comigo. Ela fala sobre a perda do pai. Há alguns dias fez nove anos que eu perdi o meu e, assim como para ela, que menciona ter perdido o dela há seis anos, essa perda continua doendo. A forma como ela fala dos povos indígenas também me deu um nó na garganta. Como não lembrar do menino degolado enquanto era amamentado em Santa Catarina, no final de 2015? “'Terra do índio' era pleonasmo”.
Espero que muitos leiam, assim como a própria autora afirmou em entrevista à revista Trip, em 2015: “Quero muito que os homens leiam, que não fique nessa coisa de “livro pra menina”. Eu já vivo isso no mundo da música, de colocarem um monte de cantoras num mesmo bolo, só por ser mulher. Quero chegar em todo mundo.
É um livro gostoso de ler, que emociona por um lado, e chama para a revolta e a ação por outro. Pulsante. Como a música dela. Particularmente, acho divertidíssima essa "Ciranda do Incentivo", que ironiza a odisseia burocrática que os artistas enfrentam para obter recurso das leis de incentivo à cultura.


No site oficial da artista é possível fazer o download do álbum “Selvática”, o mais recente de Karina Buhr, gratuitamente.

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