Em 2016 eu li, no total, 50 livros. Fico impressionada ao constatar, mas aconteceu naturalmente. Estou lendo seis livros no momento, mas não devo terminar nenhum até o final do mês, então eles entram já na meta de 2017. Encerrando o ano, listo os livros que li mas não publiquei no blog:
- Carta ao pai, de Franz Kafka
- As solas do sol, de Fabrício Carpinejar
- O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques
- De gados e homens, de Ana Paula Maia
- A cara da mãe, de Livia Garcia Roza
- Uma breve história do tempo, de Stephen Hawking
- Pomba enamorada ou uma história de amor e outros contos escolhidos, de Lygia Fagundes Telles
- Fronteira, de Luís Fernando Pereira
- E se amanhã o medo, de Ondjaki
- Meus desacontecimentos, de Eliane Brum
Por ser mediadora de um clube de leitura Leia Mulheres, li mais autoras do que autores em 2016: 27 livros escritos por mulheres, 23 por homens. Para 2017, pretendo ampliar o número de livros escritos por mulheres e aumentar essa diferença.
Vou começar o ano novo encerrando a leitura de "A guerra não tem rosto de mulher", da Svetlana Aleksievitch, e "Rotas literárias de São Paulo", da jornalista Goimar Dantas.
Para 2017, pretendia estabelecer um desafio de 50 livros. Como essa meta acabou sendo cumprida já em 2016, resolvi ampliar esse número para 70. No blog, começarei novamente a contar os livros a partir do primeiro do ano, dessa forma: 2017/Livro 1, 2017/Livro 2 e assim por diante.
Estou muito feliz por ter conseguido superar mais uma vez a meta anual de leitura, por estar lendo cada vez mais, por tantos livros incríveis que tive a oportunidade de ler em 2016. E também pelas reuniões dos clubes de leitura em que muitas dessas obras foram discutidas e deram margem a reflexões, relatos, desabafos e ótimas conversas.
Que venham mais leituras em 2017!
Meu desafio de leitura
Em 2015, me desafiei a ler 24 livros e fechei o ano com 28 obras lidas. Para 2016, o desafio a ser superado foi de 36 livros e eu li 50! Em 2017, o desafio é ler nada menos que 70 títulos. Criei este blog para publicar breves relatos sobre cada leitura realizada, sempre relacionando os livros com filmes, músicas ou outras formas de arte. Contato: nanda.jornal@yahoo.com.br
sexta-feira, 16 de dezembro de 2016
quinta-feira, 15 de dezembro de 2016
Livro 40 – Ilusões perdidas
Honoré de Balzac é inexplicavelmente impecável em “Ilusões perdidas”. O jovem escritor Lucien, que se rende ao mundo obscuro do jornalismo para conquistar fama e fortuna em Paris, tem muito de mim e de cada um de nós.
“A avareza começa onde cessa a pobreza”, uma das primeiras frases do livro, talvez seja a melhor síntese do que toda a história contada nele evidencia.
A pequenez de pessoas que só pensam em si mesmas, no próprio sucesso e fortuna, é escancarada pelo autor por um lado. Por outro, ele enaltece sentimentos e valores tão simples, ao mesmo tempo preciosos e cada vez mais raros, como o desapego, o amor, a generosidade. E é claro, a ingenuidade.
Balzac compreendia muito bem a diferença entre os avarentos e os pobres, assim como o risco de grandes talentos como o de Lucien serem desperdiçados em nome de fama, dinheiro e algum poder, mesmo que ilusório. Recomendo muito o livro. Em 2017, pretendo ler mais alguma coisa dele, porque comecei gostando muito do que li com “Ilusões perdidas”.
A leitura me fez relembrar um filme que eu adoro, inclusive voltei a assistir enquanto estava lendo. Chama-se “Balzac e a costureirinha chinesa”. É uma linda história de como bons livros podem mudar a vida de pessoas. A fotografia do filme é belíssima também. Ele é baseado em um livro de Daí Sijie, que também está na minha lista de futuras leituras.
O trailer é em espanhol, mas pesquisando se encontra o filme na íntegra, em português, no You Tube.1
“A avareza começa onde cessa a pobreza”, uma das primeiras frases do livro, talvez seja a melhor síntese do que toda a história contada nele evidencia.
A pequenez de pessoas que só pensam em si mesmas, no próprio sucesso e fortuna, é escancarada pelo autor por um lado. Por outro, ele enaltece sentimentos e valores tão simples, ao mesmo tempo preciosos e cada vez mais raros, como o desapego, o amor, a generosidade. E é claro, a ingenuidade.
Balzac compreendia muito bem a diferença entre os avarentos e os pobres, assim como o risco de grandes talentos como o de Lucien serem desperdiçados em nome de fama, dinheiro e algum poder, mesmo que ilusório. Recomendo muito o livro. Em 2017, pretendo ler mais alguma coisa dele, porque comecei gostando muito do que li com “Ilusões perdidas”.
A leitura me fez relembrar um filme que eu adoro, inclusive voltei a assistir enquanto estava lendo. Chama-se “Balzac e a costureirinha chinesa”. É uma linda história de como bons livros podem mudar a vida de pessoas. A fotografia do filme é belíssima também. Ele é baseado em um livro de Daí Sijie, que também está na minha lista de futuras leituras.
O trailer é em espanhol, mas pesquisando se encontra o filme na íntegra, em português, no You Tube.1
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quarta-feira, 30 de novembro de 2016
Livro 39 - Montanha Russa
As crônicas da Martha Medeiros fazem parte da minha história. Tive o primeiro contato com elas no Jornal Zero Hora, quando ainda vivia no Rio Grande do Sul. Recentemente, encontrei esse livro que reúne algumas delas, "Montanha Russa" (L&PM). São crônicas que podem ser doces ou ácidas, às vezes até um tanto amargas, mas nunca insossas.
"Tenho escutado o último disco do Robert Cray, que esteve recentemente fazendo um show em Porto Alegre. Aliás, o show dele foi um tanto burocrático, preferi o show de abertura feito por Jeff Healey, bem mais intenso e "sujo", no melhor sentido. Mas é Cray que ando escutando no carro, em especial a faixa Far away, cuja letra é o lamento de um homem que está saindo de casa. Ele diz pra esposa que ela é ótima, que o problema não é com ela: ele é que não conhece a si mesmo e precisa se descobrir. Pega suas coisas, deixa as chaves na estante e avisa que na manhã seguinte voltará para comunicar às crianças, assim que acordarem, que papai tem que ir embora. A guitarra chora durante os seis minutos da música, e a gente quase chora junto.
Pra você, uma música é apenas uma música, mas pra mim uma música é uma música e um assunto, assim como uma pesquisa eleitoral é uma pesquisa eleitoral e um assunto. Um dia vou falar sobre a fome de assuntos que faz sofrer todo colunista. Pois bem. De tanto ouvir esta canção do Robert Cray, comecei a achar que é mesmo um privilégio ser homem. Um belo dia o cara se dá conta de que não sabe nada sobre si mesmo, que há muitas outras coisas para serem vividas do lado de fora da porta da rua e que se continuar na sua vidinha regrada vai perder o melhor da festa. Aí ele amansa a patroa dizendo que ela é uma mulher estupenda, não tem culpa nenhuma de ele ser um ignorante sobre si mesmo, e sai de casa e do casamento, não sem antes ter a consideração de não acordar as crianças. Ele voltará no dia seguinte pra se despedir dos pequenos, que ficarão eternamente gratos por papai ter sido camarada em deixá-los dormir antes de receber a má notícia.
Mulher também tem vontade de se descobrir, fazer sua trouxa e deixar as chaves na estante. Mas imagine a cena. "Crianças adoradas, mamãe precisa se descobrir. Papai, que é um sujeito bacanésimo, vai ficar cuidando de vocês, ok? Tchauzinho."
Punk rock. Nem a Courtney Love cantaria isso sem engasgar. Mulheres têm que se descobrir durante o trajeto do ônibus, têm que se conhecer melhor enquanto escolhem o tomate menos murcho na feira, têm que experimentar novas vivências ali no bairro mesmo. Mulheres dizem para seus filhos que vão passar o final de semana na serra com as amigas e eles automaticamente esquecem onde fica o chuveiro, imagine se ela disser que vai pra galera, conhecer o mundo. Suicídio coletivo.
Foi só um pensamento que me ocorreu enquanto ouvia Robert Cray no carro, presa num congestionamento, indo buscar minhas filhas no colégio como faço todos os dias." (fonte: http://blogmulherde40.blogspot.com.br/2011/08/far-away-de-martha-medeiros.html)
Quanto ao lado doce, nada como um pirulito com sabor de arco-íris. Amei essa crônica sobre uma roda de conversa com crianças pequenas:
"Sabor de arco-íris
O assunto em pauta é literatura. Semana do Livro, Bienal do Livro, lançamento de livros. Aleluia! Um dia a turma que não lê vai descobrir o que está perdendo. Pois entre tantos eventos para incentivar a leitura, fui convidada a participar de um que me deixou ligeiramente aflita: conversar com alunos de um maternal. Eu já havia estado no colégio Anchieta conversando com a turma da minha filha mais velha, que tem 10 anos. Agora o convite era para falar com a turma da minha filha mais nova, de"5, no Amiguinhos da Praça. Fiquei imaginando como seria ficar cercada por um monte de baixinhos que mal sabem escrever o próprio nome. Que perguntas fariam? Quantos segundos levaria para eles perderem o interesse nas minhas respostas? Perigo: crianças!
Mas não amarelei. Chegando lá, sentei no chão, numa rodinha. Vários pares de olhinhos me examinavam. Não saí correndo. A tia perguntou se alguém queria fazer uma pergunta. Oba, vou ganhar tempo até um deles criar coragem, pensei. Todos levantaram o dedo. To-dos.
A partir daí, foi uma festa. Passei meia hora na Terra do Nunca, bombardeada por um afeto e uma espontaneidade que me tornaram consciente de tudo o que a gente perde quando vira adulto. Alguém perguntou se era verdade mesmo que o papel vinha da árvore. Se eu já tinha escrito um livro sobre dinossauros. Como é que eu fazia pra dormir depois de ler uma história de terror. Se era eu mesma que juntava as páginas para montar o livro. De onde vem a palavra certa. Por que meus livros não têm desenho. Se dava pra jogar futebol e ser escritor
ao mesmo tempo. Qual o chiclete que eu mais gostava. Tu conhece a Disney? Meu pai é engenheiro. Meu pai não tem emprego. Minha mãe te adora. A minha faz macramê. Eu gosto de livro de amor e livro de monstro. Tenho dois irmãos. Eu, dois pais. Ainda durante aquela tarde, ouvi minha filha dizer que pirulito tem sabor de arco-íris. E um menino, malandro, me perguntou o que eu queria ser quando crescesse. E eu lá quero crescer?" (fonte: http://escritapaulamedeiros.blogspot.com.br/2013/07/sabor-de-arco-iris.html)
Nada como a espontaneidade e a curiosidade natural delas para trazer um sopro de otimismo, ânimo e felicidade a qualquer criatura. Crescer para quê?
Ouça aqui Robert Cray cantando e tocando "Far away".
Entre as que mais me chamaram a atenção, mencionarei aqui uma bem ácida e depois uma extremamente doce. Em "Far away", a autora analisa a letra da música homônima de Robert Cray de um ponto de vista inegavelmente feminista:Uma foto publicada por Fernanda Gehrke (@nandajornal) em
"Tenho escutado o último disco do Robert Cray, que esteve recentemente fazendo um show em Porto Alegre. Aliás, o show dele foi um tanto burocrático, preferi o show de abertura feito por Jeff Healey, bem mais intenso e "sujo", no melhor sentido. Mas é Cray que ando escutando no carro, em especial a faixa Far away, cuja letra é o lamento de um homem que está saindo de casa. Ele diz pra esposa que ela é ótima, que o problema não é com ela: ele é que não conhece a si mesmo e precisa se descobrir. Pega suas coisas, deixa as chaves na estante e avisa que na manhã seguinte voltará para comunicar às crianças, assim que acordarem, que papai tem que ir embora. A guitarra chora durante os seis minutos da música, e a gente quase chora junto.
Pra você, uma música é apenas uma música, mas pra mim uma música é uma música e um assunto, assim como uma pesquisa eleitoral é uma pesquisa eleitoral e um assunto. Um dia vou falar sobre a fome de assuntos que faz sofrer todo colunista. Pois bem. De tanto ouvir esta canção do Robert Cray, comecei a achar que é mesmo um privilégio ser homem. Um belo dia o cara se dá conta de que não sabe nada sobre si mesmo, que há muitas outras coisas para serem vividas do lado de fora da porta da rua e que se continuar na sua vidinha regrada vai perder o melhor da festa. Aí ele amansa a patroa dizendo que ela é uma mulher estupenda, não tem culpa nenhuma de ele ser um ignorante sobre si mesmo, e sai de casa e do casamento, não sem antes ter a consideração de não acordar as crianças. Ele voltará no dia seguinte pra se despedir dos pequenos, que ficarão eternamente gratos por papai ter sido camarada em deixá-los dormir antes de receber a má notícia.
Mulher também tem vontade de se descobrir, fazer sua trouxa e deixar as chaves na estante. Mas imagine a cena. "Crianças adoradas, mamãe precisa se descobrir. Papai, que é um sujeito bacanésimo, vai ficar cuidando de vocês, ok? Tchauzinho."
Punk rock. Nem a Courtney Love cantaria isso sem engasgar. Mulheres têm que se descobrir durante o trajeto do ônibus, têm que se conhecer melhor enquanto escolhem o tomate menos murcho na feira, têm que experimentar novas vivências ali no bairro mesmo. Mulheres dizem para seus filhos que vão passar o final de semana na serra com as amigas e eles automaticamente esquecem onde fica o chuveiro, imagine se ela disser que vai pra galera, conhecer o mundo. Suicídio coletivo.
Foi só um pensamento que me ocorreu enquanto ouvia Robert Cray no carro, presa num congestionamento, indo buscar minhas filhas no colégio como faço todos os dias." (fonte: http://blogmulherde40.blogspot.com.br/2011/08/far-away-de-martha-medeiros.html)
Quanto ao lado doce, nada como um pirulito com sabor de arco-íris. Amei essa crônica sobre uma roda de conversa com crianças pequenas:
"Sabor de arco-íris
O assunto em pauta é literatura. Semana do Livro, Bienal do Livro, lançamento de livros. Aleluia! Um dia a turma que não lê vai descobrir o que está perdendo. Pois entre tantos eventos para incentivar a leitura, fui convidada a participar de um que me deixou ligeiramente aflita: conversar com alunos de um maternal. Eu já havia estado no colégio Anchieta conversando com a turma da minha filha mais velha, que tem 10 anos. Agora o convite era para falar com a turma da minha filha mais nova, de"5, no Amiguinhos da Praça. Fiquei imaginando como seria ficar cercada por um monte de baixinhos que mal sabem escrever o próprio nome. Que perguntas fariam? Quantos segundos levaria para eles perderem o interesse nas minhas respostas? Perigo: crianças!
Mas não amarelei. Chegando lá, sentei no chão, numa rodinha. Vários pares de olhinhos me examinavam. Não saí correndo. A tia perguntou se alguém queria fazer uma pergunta. Oba, vou ganhar tempo até um deles criar coragem, pensei. Todos levantaram o dedo. To-dos.
A partir daí, foi uma festa. Passei meia hora na Terra do Nunca, bombardeada por um afeto e uma espontaneidade que me tornaram consciente de tudo o que a gente perde quando vira adulto. Alguém perguntou se era verdade mesmo que o papel vinha da árvore. Se eu já tinha escrito um livro sobre dinossauros. Como é que eu fazia pra dormir depois de ler uma história de terror. Se era eu mesma que juntava as páginas para montar o livro. De onde vem a palavra certa. Por que meus livros não têm desenho. Se dava pra jogar futebol e ser escritor
ao mesmo tempo. Qual o chiclete que eu mais gostava. Tu conhece a Disney? Meu pai é engenheiro. Meu pai não tem emprego. Minha mãe te adora. A minha faz macramê. Eu gosto de livro de amor e livro de monstro. Tenho dois irmãos. Eu, dois pais. Ainda durante aquela tarde, ouvi minha filha dizer que pirulito tem sabor de arco-íris. E um menino, malandro, me perguntou o que eu queria ser quando crescesse. E eu lá quero crescer?" (fonte: http://escritapaulamedeiros.blogspot.com.br/2013/07/sabor-de-arco-iris.html)
Nada como a espontaneidade e a curiosidade natural delas para trazer um sopro de otimismo, ânimo e felicidade a qualquer criatura. Crescer para quê?
Ouça aqui Robert Cray cantando e tocando "Far away".
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domingo, 27 de novembro de 2016
Livro 38 – Claraboia
“Claraboia”, de José Saramago, foi escrito pelo autor no
começo de sua carreira, quando ainda não era um escritor conhecido. Uma editora
não respondeu a ele sobre o original e depois disso ele ficou um longo período
sem escrever. A publicação só aconteceu depois da morte de Saramago, em 2011.
Nessa obra, Saramago relata o dia a dia dos moradores de
seis apartamentos de um mesmo prédio, que tem uma claraboia. Em um deles, vivem
quatro mulheres: Cândida é a figura central, que vive com suas filhas Adriana e
Isaura e com sua irmã Amélia. Entre elas Isaura é uma leitora voraz: “Ardiam-lhe
os olhos e tinha o cérebro excitado”.
As quatro mulheres costumam ouvir música clássica juntas. Em
determinado momento, ficam encantadas e descrevem uma canção como bela, palavra
que valorizam e é assim descrita por Cândida:
“Há palavras que se retraem, que se recusam – porque significam
demais para os nossos ouvidos cansados de palavras. É como a palavra Deus para
os que crêem. É uma palavra sagrada.”
O sapateiro Silvestre e sua esposa Mariana vivem em outro
apartamento. Eles dão abrigo ao estudante Abel, que também gosta de ler e
carrega consigo um exemplar de “Os irmãos Karamazov”, leitura que abandona para
disputar uma partida de damas com Silvestre. Os dois têm conversas
interessantes sobre a vida e as escolhas que fazemos.
Abel tem impressões interessantes ao chegar e se instalar no
apartamento. Sobre a mobília, ele conclui, enquanto observa as instalações: “Móveis
refletem a vida dos donos, como os animais domésticos”. E sobre Mariana, pensa:
“(...) tão gorda que fazia riso, tão boa que dava vontade de chorar”.
Em outro apartamento, vive Lídia, que recebe visitas freqüentes
de seu amante, Paulino Morais, e eventualmente também é visitada pela mãe. Abel
se sente atraído por ela, assim como outros homens que vivem no prédio e o freqüentam.
Claudinha vive com os pais, Anselmo e Rosália, em outro
apartamento do prédio. Ela pede ajuda a Lídia, para que solicite ao amante que
lhe consiga um trabalho.
Carmem e o marido Emílio vivem em outro apartamento, com seu
filho Henrique. O casal tem problemas de relacionamento e suas brigas chegam às
vias de fato em alguns momentos. “A presença do marido diminuía-lhe o prazer da
manhã”.
Por fim, o casal Justina e Caetano ocupa o último
apartamento do prédio. Ambos vivem uma relação complicada e ela sofre de
depressão. “A noite deixava-a sempre sem forças, muito cansada, com uma estúpida
vontade de chorar e de morrer”. E quando
acontece um momento de aproximação com o marido, de quem ela se mantém distante
desde a morte da filha Matilde, Justina quer resistir ao desejo que sente por
ele, para manter a frieza e o poder em casa: “Tinha de escolher entre o prazer
e o domínio”.
A estrutura narrativa lembra outra obra, de 50 anos antes,
escrita pelo brasileiro Aloísio de Azevedo, O Cortiço (post aqui). Em “Claraboia”,
Saramago ainda não escrevia da forma como sua escrita ficou conhecida depois de
“O evangelho segundo Jesus Cristo” e “O ensaio sobre a cegueira”, com textos
menos pausados e sem quebra de parágrafos.
Existem muitas adaptações de obras de José Saramago para o
cinema, teatro e outras linguagens. Particularmente, gosto muito dessa animação
de uma história para crianças dele, “A maior flor do mundo”, narrada pelo próprio
escritor:
Também não poderia deixar de mencionar aqui o conhecido vídeo
que mostra a reação de Saramago após assistir, junto ao diretor brasileiro
Fernando Meirelles, ao filme “Ensaio sobre a cegueira” pela primeira vez:
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Livro 37 – Quarto de despejo
Acredito que a leitura de diários é a melhor forma de se
colocar no lugar de outro, em determinado contexto, época, condição. Foi assim
quando li “O diário de Anne Frank” e “Eu sou Malala”. E não poderia ser
diferente com “Quarto de despejo – Diário de uma favelada”, de Carolina Maria
de Jesus (Editora Ática). Não é uma leitura agradável e a principal razão para
isso é a fome, constantemente presente no dia a dia dela e de seus filhos.
A escrita dela é visceral, porque assim foi sua vida.
Catadora de papel e outros materiais recicláveis, ela viveu na favela do
Canindé, em São Paulo ,
que ficava próxima do estádio da Portuguesa, por onde hoje passa a Marginal
Tietê. A cada dia, acordava cedo para buscar água e precisava catar materiais
para ter dinheiro para comer e alimentar seus filhos, o que nem sempre era
possível, fazendo com que ela pensasse em suicídio.
“... Já faz tanto tempo que estou no mundo que eu estou
enjoando de viver. Tambem, com a fome que eu passo quem é que pode viver
contente?” (12 de outubro de 1956)
Apesar de todas as dificuldades, Carolina continuava lendo,
escrevendo e tentando se manter otimista e a preservação dos erros de
ortografia e gramática torna esse relato ainda mais punjente:
“Eu sou muito alegre. Todas manhãs eu canto. Sou como as
aves, que cantam apenas ao amanhecer. De manhã eu estou sempre alegre. A
primeira coisa que faço é abrir a janela e contemplar o espaço.” (22 de julho
de 1955)
No entanto, mesmo em momentos inspirados, frequentemente a
dureza da vida de quem nem sempre tem o que comer acaba se manifestando nas
anotações da autora:
“... Contemplava extasiada o céu cor de anil. E eu fiquei
compreendendo que eu adoro o meu Brasil. O meu olhar posou nos arvoredos que
existe no início da rua Pedro Vicente. As folhas movia-se. Pensei: elas estão
aplaudindo o meu gesto de amor a minha Pátria. (...) Toquei o carrinho e fui
buscar mais papeis. A Vera ia sorrindo. E eu pensei no Casemiro de Abreu, que
disse: ‘Ri criança. A vida é bela.’ Só se a vida era boa naquele tempo. Porque
agora a época está apropriada para dizer: ‘Chora criança. A vida é amarga.’”
(19 de maio de 1956)
Em alguns períodos, ela fica sem escrever por meses e
depois, ao retornar, explica que não teve tempo, que a situação está difícil,
que ficou doente... ao julgar pelos relatos dela, fica difícil imaginar dias
ainda mais difíceis do que aqueles que ela descreve. Mas eles existiram. Carolina tem uma consciência política e social apurada. Ela chama
a favela de quarto de despejo, que é o cômodo da casa em que se deposita o que
não é bonito, onde se esconde as tralhas. E ela se coloca nesse lugar, como
parte do povo renegado pela sociedade, enganado pelos políticos, ignorado pelas
leis:
“... Os políticos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta
enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido.” (20 de maio de 1956)
“Parece que eu vim ao
mundo predestinada a catar. Só não cato a felicidade.” (6 de julho de 1956)
“(...) passei no sapateiro para ver se os sapatos da Vera
estavam prontos, porque ela reclama quando está descalça. Estava pronto e ela
calçou o sapato e começou a sorrir. Fiquei olhando minha filha sorrir, porque
eu já não sei sorrir.” (30 de julho de 1956)
Com todas as dificuldades, Carolina guardava seus livros em um cantinho do barraco e jamais deixou de
ler e escrever seus diários. O jornalista Audálio Dantas foi quem a descobriu,
quando era repórter. Seu livro foi publicado, ela saiu da favela, mas morreu no
esquecimento, em 1977.
Seu amor pelos livros está presente no diário:
“Encontrei um rato morto. Já faz dias que eu ando atrás
dele. Armei a ratoeira. Mas quem matou ele foi uma gata preta. Ela é do senhor
Antonio Sapateiro. O gato é um sábio. Não tem amor profundo e não deixa ninguem
escravisá-lo. E quando vai embora não retorna, provando que tem opinião. Se faço
essa narração do gato é porque fiquei contente dela ter matado o rato que
estava estragando os meus livros.”
“A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que
sabemos o que encerra. E nós quando estamos no fim da vida é que sabemos como a
nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto
é o lugar onde eu moro.”
Na edição de 2014, tem algumas curiosidades no final, como a origem do termo "favela", que eu não conhecia, e a menção a adaptações do diário para o cinema, teatro e até um samba de B. Lobo. Fica a lembrança, já que hoje é o centenário do primeiro samba da nossa história, "Pelo telefone".
Ler e escrever é o que Carolina Maria de Jesus faz para
conseguir sobreviver e continuar lutando. Em determinado momento, ela agradece
a uma professora que a incentivou a escrever um diário e despertou nela o
prazer da leitura. No filme “Escritores da liberdade”, uma história verídica
sobre uma turma de alunos do ensino médio nos Estados Unidos tem personagens
que lembram a Carolina. E uma professora que mudou a vida deles,
incentivando-os a contarem suas histórias em diários, após terem lido “O diário
de Anne Frank”. Esse filme deveria ser exibido em todas as escolas de ensino médio
e o livro da Carolina Maria de Jesus, lido por seus professores e alunos.
Para encerrar, mais um vídeo.
A filha de Carolina Maria de Jesus realizou o sonho da mãe e tornou-se professora:
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sexta-feira, 25 de novembro de 2016
Livro 36 – Deus, um delírio
Richard Dawkins é categórico em “Deus, um delírio” (Companhia das Letras). Em um
mundo no qual admitir a descrença gera desconfiança e até acaba afastando as
pessoas, admiro sua determinação e honestidade.
Em tempos de intolerância religiosa, muitas vezes quem não
acredita em nada fica de fora de campanhas, políticas públicas e mesmo de
protestos contra esse tipo de discriminação. Levei meses
para finalmente publicar um post sobre esse livro, quase deixei de fazê-lo. Não odeio ninguém, espero não ser odiada por isso. Observei que os You Tubers que falam sobre esse livro o fazem de forma insegura também, como se fosse desrespeitoso não acreditar em Deus ou questionar sua existência.
Os argumentos de Dawkins deveriam ser lidos também por quem
acredita, não para que mudem de ideia, mas para que tenham um contraponto.
Assim como quem não acredita pode dar uma lidinha na bíblia ou no alcorão de vez
em quando, porque não dói nem tira pedaço. Eu leio até as revistas que Testemunhas de Jeová entregam periodicamente em minha casa. Uma crença (ou descrença) não
qualifica ou desqualifica ninguém para nada. Ao menos, não deveria.
O livro é extenso. Li a versão digital e quando me dei conta
já estava terminando. Muitos dizem que ele pode ser considerado a bíblia dos
ateus. Não acho que essa seja uma comparação justa, porque o livro de Dawkins é
cheio de referências históricas, embasamento científico e um trabalho muito sério
de busca por qualquer evidências da existência de um poder divino no universo. É resultado de pesquisa, trabalho, observação
atenta do mundo. E como todo cientista, ele está aberto a novas abordagens,
evidências, teorias, e preparado para mudar de ideia sem grandes traumas. A bíblia
representa o oposto, como qualquer dogma.
Tem dois aspectos que me pareceram fundamentais no livro: a
forma como as pessoas se tornam religiosas (aprendendo, desde crianças, a serem
assim, se tornando parte de uma religião comum no lugar em que nascem) e o mal
que a religião já causou e ainda causa à humanidade. Lembrei do Antônio Abujamra, que ao final das entrevistas do programa "Provocações", da TV Cultura, sempre perguntava: "O que causou mais mal ao mundo, as igrejas ou os bancos?". Acredito que foram as igrejas. Ou seja, ter religião não
deveria ser sinônimo de ser alguém justo, honesto, em quem se possa confiar:
“Não acredito que haja um ateu no mundo que demoliria Meca —
ou Chartres, a York Minster ou Notre Dame, o Shwedagon, os templos de Kyoto ou,
claro, os Budas de Bamiyan. Como disse o físico americano e prêmio Nobel Steven
Weinberg, ‘a religião é um insulto à dignidade humana. Com ou sem ela, teríamos
gente boa fazendo coisas boas e gente ruim fazendo coisas ruins. Mas, para que
gente boa faça coisas ruins, é preciso a religião’. Blaise Pascal disse algo
parecido: ‘Os homens nunca fazem o mal tão plenamente e com tanto entusiasmo
como quando o fazem por convicção religiosa’. Meu principal objetivo aqui não
foi mostrar que não devemos tirar nossos princípios morais das Escrituras
(embora essa seja minha opinião). Meu objetivo foi demonstrar que nós (e isso
inclui as pessoas religiosas) na verdade não tiramos nossos princípios morais
das Escrituras.”
O filme do qual lembrei diversas vezes enquanto lia é “Tentação”,
de 2012, que evidencia diversos aspectos do fundamentalismo apontados por
Dawkins. Recomendo muito o livro e o filme também.
quarta-feira, 23 de novembro de 2016
Livro 35 – A teoria de tudo
O casamento real de Stephen e Jane e a mesma cena no filme. |
Jane e Stephen se casaram mesmo com a perspectiva de que ele
teria poucos anos de vida. Eles tiveram três filhos. A condição de Stephen
piorou gradativamente, mas ele está vivo até hoje. De acordo com um posfácio de
2014 do livro, eles cultivam um bom relacionamento, apesar de terem se
divorciado nos anos 90.
Neste caso, eu vi o filme antes de ler o livro. Assisti pela
primeira vez em 2014 e fiquei particularmente impressionada com a atuação do
ator que fez o papel de Stephen. Também achei interessante a história deles e
fiquei com vontade de ler não só o livro que deu origem ao filme, mas também
algo escrito por ele. Em 2016, consegui ler “A teoria de tudo”, de Jane
Hawking, e também “Uma breve história do tempo”, de Stephen Hawking.
O livro é muito mais abrangente do que o filme. É tão denso
que se torna cansativo em alguns trechos. Além disso, a autora se queixa muito
das dificuldades que teve em sua vida com Stephen Hawking. De fato, acredito
que as coisas tenham sido difíceis e até desesperadoras em alguns momentos e me
solidarizo com ela. No entanto, há muitas situações repetidas, histórias
contadas mais de uma vez, o que acaba tornando a leitura um pouco maçante.
Já o filme enfatiza os melhores momentos do casal. É um belo
filme, leve, provavelmente muito mais leve do que a história dos dois. Acredito
que ambos tenham ficado felizes com o resultado. Eles chegaram a acompanhar um
dia de gravações pessoalmente.
O título original do livro era “Viagem ao Infinito: A
extraordinária história de Jane e Stephen Hawking”. Para quem prefere ficar com
a versão mais leve e poética das histórias, recomendo o filme e não o livro.
Para quem quer saber mesmo mais sobre a vida deles, que leiam, mesmo que seja
denso e longo. Mesmo porque ele tem algumas citações preciosas, como essa, de
que gosto muito:
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