sábado, 28 de maio de 2016

Livro 14 – Os prazeres e os dias

Sempre tive vontade de ler Marcel Proust. Agora, que comecei, preciso ler tudo. Era justamente o que eu temia, e também o que eu esperava. “Os prazeres e os dias”, livro de ensaios que foi o primeiro publicado pelo autor, trata de sentimentos e da subjetividade humana de uma forma absolutamente apaixonante. Preconceitos, medos, desejos e, é claro, amores, são os protagonistas dessa obra.

A linguagem surpreende pelo sarcasmo e pela ironia, às vezes sutis, às vezes nem tanto. Por outro lado, a tristeza e a melancolia também estão muito presentes. É uma crítica muito inteligente aos costumes da sociedade burguesa francesa do século XIX.

Uma passagem, em especial, me chamou muito a atenção, nesse sentido de contestação aos costumes. Trata-se de uma descrição da rivalidade entre duas famílias tradicionais, em que o narrador se vê manipulado pelos pontos de vista de ambas, até perceber o quanto elas são semelhantes (foto).

É uma leitura extremamente agradável. Um primor que justificou, na minha opinião, por si só, a fama do autor de “Em busca do tempo perdido” – empreitada em 7 volumes que pretendo enfrentar nos próximos meses, porque fiquei com gostinho de quero mais.

Sobre a habilidade de Proust em descrever os sentimentos, não faltam exemplos nos 67 textos da obra, originalmente publicada em 1896. São dizeres que nos fazem sentir. Palavras que parecem brincar com nossos desejos e medos mais profundos. Selecionei um trecho que fala sobre autopiedade e também sobre os prazeres e como precisamos deles para viver nossos dias:

“E teve pena de sentir menos pena, e depois mesmo esta pena desapareceu. Depois se foram todas as penas, todas, não havia necessidade de mandar embora os prazeres; já tinham fugido há muito em seus calcanhares alados sem voltar a cabeça, com seus ramos de flores na mão, fugido daquela morada que não era mais bastante jovem para eles. Depois, como todos os homens, morreu.”

Depois de ler este primeiro livro de Marcel Proust, como todos os outros leitores (ou quase todos, imagino), lerei outros. Recomendo muito. O filme “A prisioneira”, de 2000, é baseado no volume 5 de “Em busca do tempo perdido”. A cena mais famosa do filme é a da conversa que os personagens têm durante o banho:

 


terça-feira, 24 de maio de 2016

Livro 13 - Spotlight – Segredos Revelados

Essa foi uma leitura difícil. Não por ser monótono ou usar uma linguagem rebuscada. Também não por ser um livro longo, repetitivo, desses que abandonamos de vez em quando. Não. Antes fosse. Foi difícil ler “Spotlight – Segredos Revelados”, da equipe de reportagem do Boston Globe, porque a investigação dos jornalistas escancara um escândalo de proporções estratosféricas. 

As vítimas eram crianças. Os cúmplices, toda uma sociedade. Modus operandi que se repetiu em outras localidades, contando com o mesmo tipo de encobrimento. Em nome de que? Da preservação de uma instituição, que é a Igreja Católica.

Eu demorei para terminar essa leitura. Demorei muito mais do que imaginava. Li outros livros enquanto interrompia a leitura desse. Não porque os outros me interessassem mais, mas porque eu simplesmente não tinha mais estômago para seguir. Então parava, dava um tempo e depois retomava.
Tive náuseas quando assisti ao filme baseado no livro (artigo aqui). Comemorei quando ele recebeu o Oscar de Melhor Filme. Foi a primeira vez que fiquei feliz com o resultado do Oscar. Também fiquei feliz com a tradução para português do livro, pela editora Vestígio.

Tenho vontade de sair gritando pelas ruas, para que todos assistam ao filme e leiam o livro. Para que se importem. Para que saibam e não permitam que esse tipo de atrocidade se repita. Assim como o promotor Thomas F. Reilly (trecho na foto). 

Não conseguia parar de pensar nas crianças enquanto lia aqueles relatos, aquelas desculpas esfarrapadas, como quando o padre pedófilo Geoghan, que deu início à investigação, afirmou que a culpa por tudo aquilo era das vítimas. Ou quando um menino disse à mãe, aos prantos, que deus não o amava mais, depois de ser violentado pelo padre amigo da família, que também abusava de seus irmãos. 

Além de tudo, como jornalista, não poderia deixar de recomendar a leitura aos colegas de profissão e estudantes da área. O filme também se presta a esse papel, mas o livro é uma aula. Descrição minuciosa de um trabalho jornalístico sério, dedicado, comprometido com os fatos. Um tipo de trabalho que cada vez menos se vê em redações pelo mundo afora.

Fonte: veja.com/afp
A náusea final, depois de ler as últimas linhas, é equivalente à causada pelo filme: os "príncipes" da igreja que contribuíram para que padres abusassem de mais e mais crianças, simplesmente transferindo todos de paróquia em paróquia, por anos, foram recompensados com promoções e outros agrados, ao invés de punidos. O exemplo mais contundente é o do cardeal Bernard Law (foto), de Boston, que teve o Vaticano como destino, a convite do Papa, ao fim das reportagens que escancararam sua cumplicidade com criminosos.

De 1982 a 2002, ele realizou diversas transferências para encobrir os abusos de padres, para evitar escândalos, permitindo que os predadores continuassem agindo da mesma forma em outras cidades. Até hoje, ele não foi convidado a depor, muito menos acusado. A partir do Vaticano, onde vive, ele ainda tem influência na nomeação de bispos nos Estados Unidos.

Confira o trailer do filme, legendado:


A publicação mereceu o Pulitzer, assim como o filme mereceu o Oscar. Que mais e mais pessoas leiam. Que mais e mais pessoas assistam. Por gentileza, leiam e assistam "Spotlight - Segredos Revelados". Muito obrigada.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Livro 12 – A casa dos budas ditosos

Sempre admirei João Ubaldo Ribeiro como cronista. Com a morte dele, em 2014, decidi que leria alguns de seus romances e comecei com o polêmico “A casa dos budas ditosos” (Série Plenos Pecados, Editora Objetiva). O livro inspirou um monólogo em que Fernanda Torres representa a personagem-narradora.

Gostei da forma como o autor se coloca na pele de uma mulher para relatar suas peripécias sexuais. De fato, durante a leitura, é fácil esquecer que se trata de um livro escrito por um homem. Por outro lado, não entendi muito bem o porquê da polêmica em torno dessa obra.

Então me propus o seguinte exercício: imaginar que se trataria, ao invés de uma mulher, de um homem contando suas aventuras, conquistas, trepadas e etc. A história não ficaria melhor ou pior, mas certamente não haveria a repercussão que aconteceu por se tratar de uma mulher. Mesmo os temas mais sensíveis, como incesto e pederastia, não chamariam tanta a atenção se o protagonista fosse um homem, porque a eles é permitido e até incentivado o comportamento de predador sexual. Para ser bem honesta, cansa.

Esse tipo de polêmica cansa e acabou interferindo negativamente na minha leitura. Talvez por esperar algo mais digno de polêmica, que justificasse a repercussão do livro e da peça... Mas fico com minha admiração pelo João Ubaldo Ribeiro e em breve lerei outros livros do autor. Gostei muito da participação dele no documentário “Janela da alma”, de 2001, de João Jardim e Walter Carvalho: