Em “O Irã sob o chador – Duas brasileiras no país dos
aiatolás”, Adriana Carranca e Marcia Camargos descrevem suas aventuras e
desventuras em um país que é muito mais do que chega aos brasileiros pelos
meios de comunicação e mesmo através do cinema. Publicado pela Editora Globo em
2010, o livro mescla história, reportagem e diário.
O que mais me surpreendeu na narrativa é a força das
mulheres iranianas, que eu já mencionei nessa outra postagem. As limitações
impostas ao vestuário e aos costumes são, em longe, superadas por avanços no mercado de trabalho
e na formação intelectual. As escolas de cinema são um exemplo:
“O número de escolas de cinema vem crescendo, e joga a cada
ano no mercado mais de vinte diretores, entre eles muitas mulheres. Nas duas
últimas décadas, a porcentagem de diretoras iranianas é maior do que na maioria
dos países ocidentais.”
Além da presença crescente de mulheres, o cinema iraniano é
reconhecido por importantes festivais, que tiveram edições boicotadas por
iniciativa de produtores locais e com apoio de importantes nomes do cinema
mundial, em protesto contra a repressão, perseguição e tortura de opositores do
governo, inclusive cineastas, em 2009 e 2010.
Há contrastes bem interessantes no livro. Por um lado, a
cortesia dos iranianos surpreende muito. Por outro, existe uma série de regras
sociais que impedem manifestações públicas de afeto, como um abraço, entre
pessoas de sexos opostos, ou entre iranianos e estrangeiros. Exemplos são a
necessidade de casais apresentarem a certidão de casamento ao se hospedarem em
hotéis, os quais também não aceitam, em algumas localidades, que iranianos e
estrangeiros se hospedem no mesmo quarto, mesmo que sejam duas mulheres ou dois
homens.
A solução adotada para lidar com os LGBTs também surpreende. No Irã, a cirurgia para mudança de sexo é realizada pelo sistema público de saúde. Realizando essa operação, quem é trans pode emitir novas identidades e ocorrem, inclusive, casamentos. Portanto, deixam de ser homossexuais, já que agora são de outro sexo. No entanto, é comum, por exemplo, que ao saber do passado, os companheiros abandonem as esposas trans. E o preconceito também é muito grande. Sem mencionar que o comportamento homossexual é considerado crime no país. Há jovens homossexuais que se submetem à cirurgia de mudança de sexo na tentativa de serem aceitos, mesmo sem ter certeza sobre a necessidade desse procedimento.
A maior dificuldade das brasileiras no Irã se
dá em torno da vestimenta obrigatória para as mulheres. O que se resolve, em
boa parte, com gentilezas e auxílios de iranianas sempre dispostas a ajudar
estrangeiras sem habilidade com o hijab, o chador e véus de uma forma geral.
Todo esse patrulhamento acaba estimulando diferentes formas
de resistência. Um grupo de mulheres comanda, com sucesso, uma rede de táxis
exclusivos para mulheres, guiados por mulheres, em Teerã. Mas a repressão
ainda é sufocante, como é possível constatar na entrevista que as autoras
conseguem com Shirin Ebadi, que tive o privilégio de conhecer pessoalmente
nessa ocasião.
Entre as estratégias de resistência aos limites
estabelecidos pelo governo, está a literária. Eis minha passagem preferida do
livro:
“Em Lendo Lolita em Teerã, a professora de literatura
Azar Nafisi retrata bem esse aspecto da sociedade iraniana pós-revolução.
Proibida de lecionar literatura estrangeira na Universidade de Teerã, ela
reuniu seus sete melhores e mais dedicados alunos em encontros secretos
semanais, durante dois anos, na sua própria casa, para ler e discutir obras
banidas como O grande Gatsby, Madame
Bovary e Lolita. Desses estudos e
das deliciosas conversas informais sobre suas vidas pessoais, naquela época,
surgiu um incrível paralelo entre o personagem opressor de Humbert e o peso do
regime sobre as iranianas – as Lolitas – que vinham tendo a sua adolescência e
juventude gradualmente roubadas, sob seu domínio.”
É uma ótima leitura. Assim como em “Mulheres sem homens”, é
possível identificar muitas similaridades entre as iranianas e as brasileiras. E
saber que o Irã é muito mais do que estamos acostumados a ouvir a respeito
dele. O filme iraniano "A separação" também contribui para desmistificar um pouco essa visão limitada sobre o país: