segunda-feira, 18 de julho de 2016

Livro 19 - Quarto

“Minha cabeça vai explodir, com todas essas coisas novas em que tenho que acreditar.”
Gravações de "O quarto de Jack".

Que descoberta a escritora irlandesa Emma Donoghue! O livro “Quarto” inspirou o filme “O quarto de Jack”, cujo roteiro foi escrito pela própria autora. A leitura já surpreende nas primeiras páginas, talvez pelo fato de a história ser toda contada pelo menino Jack, de apenas cinco anos. A maestria da autora ao incorporar esse narrador é tanta, que dá até impressão de ouvir uma criança falando enquanto lemos.

No decorrer da narrativa, a autora fornece pistas sobre a situação em que Jack e sua mãe, Joy, se encontram. O mundo, para o menino, se resume ao cômodo em que ele vive com ela, desde que nasceu. Joy foi sequestrada aos 17 anos e teve o filho no cativeiro. Ambos não têm qualquer contato com o mundo exterior e o menino cresce acreditando que as imagens da TV só existem lá e que além das paredes do quarto está o espaço sideral. O quarto em que vivem é pequeno e não tem janelas. Uma claraboia é a única abertura para o mundo lá fora. Em sua rotina diária, existe sempre um momento em que os dois gritam alto. Para o menino, é uma brincadeira. Para sua mãe, mais uma tentativa de serem ouvidos e, quem sabe, resgatados.

O livro é surpreendente em vários aspectos. O amor dessa mãe pelo filho talvez seja o principal deles. Como uma criança é libertada de um cativeiro no qual nasceu e depois do resgate pede para voltar para lá? Emma Donoghue mostra, em “Quarto”, o quanto nosso mundo depende das pessoas ao nosso redor. Joy e Jack salvam um a vida do outro, o tempo inteiro.

Momentos de tensão expectativa também são muito presentes nessa obra. Ao passar alguns dias sem energia no quarto, a mãe elabora um plano ousado para que os dois consigam escapar. A decisão radical é tomada por temer que ela e o filho acabem morrendo de fome ou de alguma doença, caso não fossem mais visitados pelo Velho Nick, que é como eles chamam o sequestrador, o único que possui a senha que dá acesso ao cativeiro.

Como conseguir interromper a leitura? É um livro para ser devorado. Provavelmente por ter um roteiro adaptado pela própria autora, o filme “O quarto de Jack” também emociona e traz, inclusive, elementos que não constam no livro, mas vão totalmente de encontro com a história e poderiam, perfeitamente, compor a narrativa também.

Infelizmente, há histórias reais que também poderiam ser reconhecidas, tanto no livro quanto no filme. Da mesma forma, algumas impressões do menino Jack fazem muito sentido em relação à forma como vivemos hoje. “As pessoas do Lá Fora não são como nós, elas têm um milhão de coisas e tipos diferentes de cada coisa”. “Essa gente de jornal entende mal uma porção de coisas. Gente de jornal, isso parecia as pessoas da Alice, que na verdade são um baralho de cartas”. Até um clube de leitura é mencionado pelo menino! Em certa altura, ele comenta: “Elas eram o clube do livro da Vovó, mas não sei por quê, pois não estavam lendo livro nenhum”.

Emma Donoghue já publicou mais de 15 livros. O primeiro deles foi sobre a cultura lésbica britânica entre 1668 e 1801. Ela vive com seus dois filhos e a companheira, atualmente, na França. “Quarto” foi o primeiro livro dela traduzido para o português, depois do sucesso do filme, que rendeu à atriz Brie Larson o Oscar de Melhor Atriz na premiação de 2016. Obrigada, Hollywood.

(Texto postado originalmente no site do Leia Mulheres: Quarto)

Trailer do filme "O quarto de Jack":


sexta-feira, 15 de julho de 2016

Livro 18 – Capitães da areia

Este é um daqueles livros que nos obrigam a ler quando ainda não estamos preparados para usufruir da experiência dessa leitura. Eu li “Capitães da areia”, de Jorge Amado, pela primeira vez, aos 12 ou 13 anos. Lembro de até ter gostado, mas certamente não tive condições de usufruir desse clássico naquela ocasião.

Dessa vez, a leitura trouxe mais um desafio: eu teria que mediar, pela primeira vez, um encontro de leitores, sobre esse livro. Para complicar um pouco mais, eu teria que ler e fazer minhas anotações em um período no qual precisei pegar a estrada diversas vezes. Foi por isso que a leitura desse livro se deu em três suportes diferentes: o livro físico, que precisei devolver para a biblioteca quando estava chegando à metade da história; o livro digital, que passei a ler em seguida; e o áudio-livro. Resolvi aproveitar para ouvir o livro enquanto dirigia e foi uma experiência muito interessante.

A desvantagem de ouvir o livro dirigindo é não ter como fazer anotações ou marcações. No entanto, foi uma ótima saída para conseguir chegar ao final do livro em tempo. Além disso, o áudio tinha excelente qualidade e uma narração, em minha opinião, no ritmo ideal – nem lenta, nem rápida demais.

A história dos meninos que vivem em um trapiche, em Salvador, cometendo furtos e outros delitos para sobreviver, é um exemplo de literatura voltada à crítica social. Jorge Amado transforma em protagonistas crianças abandonadas, que vivem à margem da sociedade. O livro chegou a ser queimado e proibido no Brasil, na época da Ditadura Militar. Jorge Amado, assim como outros escritores, artistas e intelectuais dos anos 30, época em que o livro foi escrito (1937), era declaradamente comunista, posição perceptível nessa e em muitas de suas obras. Saber de tudo isso enriquece a leitura.

Em 2011, foi lançado um filme inspirado no livro, dirigido por Cecília Amado. Já faz alguns anos que assisti. Lembro de ter gostado, mas me decepcionado um pouco com algumas atuações. A fotografia é linda, o que não surpreende, já que as gravações ocorreram em Salvador.