quinta-feira, 28 de abril de 2016

Livro 11 – Mulheres sem homens

Depois de ler “Mulheres sem homens”, da iraniana Shahrnush Parsipur, fiquei muito surpresa ao verificar que o primeiro rascunho do livro foi escrito no ano em que eu nasci. A edição que eu li é de 2010, da editora Martins Fontes, e traz na capa uma foto da performance “Reconstruindo Sonhos”, da artista Beth Moysés, em que mulheres vestidas de noivas realizaram bordados pretos em suas luvas brancas, simbolizando as marcas da violência, em diferentes cidades do Brasil e do exterior (no site dela tem alguns registros). Foi essa foto na capa, em primeiro lugar, que me despertou o interesse pelo livro.

A narrativa tem algo de realismo fantástico, a exemplo da mulher que vira uma árvore e precisa ser alimentada por leite humano. O que combina, de certa forma, com o absurdo das convenções sociais em relação às mulheres no Irã, na época do golpe de estado dos anos 50, período em que se passam as histórias das personagens Mahdokht, Fa’ezeh, Muness, Farrokh-laga e Zarinkolah.

Estupro, machismo e feminicídio são abordados no livro. O que chocou os leitores na ocasião da primeira publicação, no entanto, foi uma abordagem totalmente livre de outro tema: a virgindade. “Nós éramos virgens e não somos mais. O que é que isso tem de tão triste?”, pergunta uma das personagens a outra, que está em prantos, em determinado momento. Em outra passagem, anterior, as mesmas personagens discutem se o hímen é um véu ou uma abertura.

Impressionam, como alertado na orelha do livro, as similaridades entre as mulheres iranianas e as brasileiras. E mais do que isso, preocupa que muitas daquelas ideias retrógradas e machistas ainda vigorem nos dias de hoje, em consideráveis grupos sociais, tanto lá como aqui.

Como não lembrar de outras duas iranianas ilustres e fortes ao ler esse livro? Assim como Shahrnush Parsipur, a diretora do filme inspirado nesse livro, Shirin Neshat, vive exilada. Não consegui encontrar o trailer do filme, que é de 2009 e rendeu à diretora o Leão de Prata de Melhor Direção no Festival de Veneza.

Em uma palestra de Shirin Neshat no TED Talks, realizada em 2011, ela fala sobre o paradoxo de ser uma artista em defesa de seu país, que não pode voltar para casa, e menciona o filme baseado no livro “Mulheres sem homens” dessa forma: “Eu fiz esse filme porque eu senti que é importante ele falar aos ocidentais sobre a nossa história como país”. Ela se refere ao filme como uma história política e uma história feminina e algumas cenas do longa são projetadas enquanto ela fala. Vale a pena assistir:


Outra Shirin iraniana ilustre esteve em São Paulo em 2011. Tive o prazer de cobrir a palestra de Shirin Ebadi na Sala São Paulo, no evento Fronteiras do Pensamento (matéria aqui). Foi emocionante e inspirador, como a leitura desse livro. Leitura rápida e prazerosa, que de quebra nos lembra o quanto devemos prezar pela democracia e pela liberdade. E quanto ainda precisamos do feminismo e de mulheres corajosas como essas três iranianas, entre outras que nos enchem de orgulho e admiração.

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quarta-feira, 13 de abril de 2016

Livro 10 – A sexta extinção

Uma espécie de rã desaparece de uma hora para a outra e descobre-se que a causa é uma outra rã, trazida pelos humanos, que tem o corpo revestido com uma substância fatal para a primeira espécie. Morcegos começam a adoecer misteriosamente até entrarem em processo de extinção, por causa de um fungo que também só passou a existir em seu habitat por interferência humana.

Essas e outras investigações são relatadas de forma extremamente esclarecedora, mesmo que dependam de informações científicas e técnicas, pela autora de “A sexta extinção”, Elisabeth Kolbert. O livro foi publicado no Brasil pela editora Intrínseca.

Mas o que seria a sexta extinção? Para a autora e muitos dos cientistas entrevistados por ela, está em curso um processo de extinção que tem como causa a interferência humana na natureza. Antes dessa, cinco outras grandes extinções aconteceram na história, entre elas a mais conhecida, que acabou com os dinossauros há 65 milhões de anos.

Entre os locais visitados pela autora está a floresta amazônica. Ela esteve no Brasil para acompanhar um trabalho de catalogação e monitoramento de reservas florestais. É assustador constatar que múltiplas extinções estão acontecendo neste momento, em nosso país, devido à separação de grandes florestas em áreas menores, o que prejudica e acaba mesmo inviabilizando a sobrevivência de inúmeras espécies.

Apesar do cenário e das previsões pouco favoráveis, o otimismo é uma característica comum aos cientistas e defensores da natureza envolvidos nessa excelente reportagem. Cada um dos entrevistados trabalha com afinco para salvar uma espécie, compreender um bioma, catalogar seres ainda desconhecidos pela comunidade científica.

O livro é recomendado por Al Gore, diretor do documentário “Uma verdade inconveniente”, de 2006. O filme também é um alerta, assim como o livro de Kolbert, a respeito das consequências da interferência humana na natureza.


Dez anos depois do filme de Al Gore, Elizabeth Kolbert vai à fundo e nos apresenta não uma, mas muitas verdades inconvenientes. E mostra, com evidências científicas irrefutáveis, que a culpa é mesmo nossa. A autora levou o prêmio Pulitzer de não-ficção em 2015 pelo livro. Merecido.

domingo, 3 de abril de 2016

Livro 9 – O Quarto Poder - Uma Outra História

Fotos: Juci Ribeiro / Van Carvalho – Ag. Fio Condutor
O livro 9 desse meu desafio de leitura não poderia ser mais apropriado para este momento em que volto ao ambiente acadêmico, estudando justamente educação, comunicação e cultura. Em “O Quarto Poder - Uma Outra História” (Editora Hedra), o jornalista Paulo Henrique Amorim nos apresenta os bastidores da mídia, principalmente dos grandes grupos de comunicação, a partir do ponto de vista de um profissional que atuou, durante muitos anos, como empregado desses conglomerados. O lançamento do livro, em setembro de 2015 (foto), coincidiu com a comemoração dos 50 anos de profissão do autor.

O uso de concessões públicas de rádio e TV como instrumentos para divulgações de cunho político e ideológico, com verdadeiros oligopólios nas mãos de políticos e coronéis, já não é novidade. O que Paulo Henrique Amorim faz de novo é descrever, com riqueza de detalhes, de que forma o que ele chama de PIG – Partido da Imprensa Golpista – vem comandando o país e definindo os rumos da política, da economia e, em suma, da vida dos brasileiros.

É óbvio que a Rede Globo e seu fundador, Roberto Marinho, estão no olho desse furacão. Como não lembrar do documentário “Além do Cidadão Kane”, de 1993? Produzido pela BBC de Londres, o filme foi proibido no Brasil e Paulo Henrique Amorim descreve, em certo momento, como empregados da Rede Globo foram orientados a obter o maior número possível  de cópias (em VHS, na época), para que fossem destruídas. 

Eu, assim como muitos outros jornalistas, tive a oportunidade de assistir a uma cópia pirata do filme na universidade, nos anos 90. Hoje ele está disponível no You Tube:



Um dos momentos mais esmiuçados pelo autor é o surgimento da televisão como meio de comunicação de massa. Me chamou a atenção a forma como ele mencionou a transferência de editorialistas do jornal O Globo para a TV, citando como pioneiros Arnaldo Jabor e Miriam Leitão que, assim como outros que vieram depois, são pagos para dizer o que seus patrões pensam, como se a opinião fosse deles.

Na capa do livro, o 4 (de 4º poder) também pode ser visto como 1. Pelos relatos presentes nele, essa seria a opção claramente mais adequada para o título. Recomendo muito a leitura. Mesmo porque essa é uma história que continuamos vivendo a cada dia, com episódios emblemáticos de manipulação cada vez mais descarada pelo chamado "PIG".

Também relacionados ao poder da mídia e ao exercício jornalístico e seus dilemas éticos e profissionais, recomendo os filmes "A montanha dos 7 abutres" (1951), "O Quarto poder"(1997 - que, embora tenha o mesmo título, não tem relação com o livro), "O informante" (1999) e o vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2016, "Spotlight - segredos revelados", sobre o qual escrevi isso e cujo livro inspirador será um dos próximos a ser comentado aqui.

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