segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Livro 31 - Macbeth

Finalmente li uma obra de Shakespeare. Até então, já havia assistido filmes, peças, adaptações para crianças e animações. Uma delas foi "Gnomeu e Julieta", de que lembro em detalhes por ter sido a primeira vez que levei meu filho ao cinema. Uma versão de Romeu e Julieta extremamente lúdica, que é mais leve, mas não deixa de carregar a emoção e os momentos tristes da história original. Isso em minha modesta opinião.

A leitura de "Macbeth" foi rápida e fluida. A história de um homem que se torna rei por caminhos tortos, que manipula e é manipulado. "Banhado em sangue, eu cheguei tão longe". Impressiona muito a frieza da esposa de Macbeth. E como não se impressionar com as figuras das bruxas? Hoje é Halloween, então fica aqui minha homenagem a elas.

Mas a fala de Macbeth que me chamou mais a atenção foi essa, proferida durante a batalha:

"A vida é só uma sombra: um mau ator
Que grita, se debate pelo palco,
Depois é esquecido; é uma história
Que conta o idiota, toda som e fúria
Sem querer dizer nada".

Foi depois de ler que assisti ao filme de 2015, baseado nessa obra. Gostei muito, mais do que da leitura. Provavelmente porque a intenção do autor realmente não era ser lido, mas que seus textos fossem interpretados.

Fiquei com vontade de assistir à adaptação cinematográfica de Orson Welles, de 1948.

Será que em algum momento William Shakespeare imaginou que haveriam tantas e tantas representações de suas peças mundo afora? E ainda haverá muitas mais, certamente.

Esse é o trailer do filme "Macbeth" de 2015:



E aqui, o trailer da animação "Gnomeu e Julieta", de 2011:



sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Livro 30 – O cortiço


Esse é um clássico da literatura brasileira que todo mundo deveria ler. “O cortiço” é um estudo sociológico de um grupo de pessoas vivendo em situação de vulnerabilidade. Poderia, perfeitamente, ser adaptado à vida que muitos levam em favelas e ocupações nas grandes cidades hoje.

Aluísio Azevedo tinha toda uma técnica para escrever. Ele chegou a fazer maquetes do cortiço em torno do qual a história acontece. Tratava seus personagens como cobaias, com uma boa dose de frieza e indiferença em alguns momentos.

“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.”

Por outro lado, o autor esbanja sensibilidade e chega a ser poético ao tratar de um tema que até hoje é frequentemente visto como um tabu, que é a menstruação. Até hoje, o sangue menstrual é representado por um líquido azul nos comerciais de absorvente, por exemplo. E em 1890 o autor de “O cortiço” assim descreveu esse momento na vida da personagem Pombinha:

“Nisto, Pombinha soltou um ai formidável e despertou sobressaltada, levando logo
ambas as mãos ao meio do corpo. E feliz, e cheia de susto ao mesmo tempo, a rir e a
chorar, sentiu o grito da puberdade sair-lhe afinal das entranhas, em uma onda vermelha
e quente.”

E ele continua:

“A natureza sorriu-se comovida. Um sino, ao longe, batia alegre as doze badaladas
do meio-dia. O sol, vitorioso, estava a pino e, por entre a copagem negra da mangueira,
um dos seus raios descia em fio de ouro sobre o ventre da rapariga, abençoando a nova
mulher que se formava para o mundo.”

Nos dias atuais, o assunto é um grande tabu, por mais absurdo que isso possa soar. Parece que andamos para trás. É claro que existem artistas de diferentes áreas que se expressam a respeito da menstruação e até militam para que ela deixe de ser vista como algo nojento, impuro, sujo. É o caso da poeta Marina Colasanti, que escreveu o seguinte poema:

“Eu Sou uma Mulher
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Os homens vertem sangue
por doença
sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.
Em nós
o sangue aflora
como fonte
no côncavo do corpo
olho-d’água escarlate
encharcado cetim
que escorre
em fio.
Nosso sangue se dá
de mão beijada
se entrega ao tempo
como chuva ou vento.
O sangue masculino
tinge as armas e
o mar
empapa o chão
dos campos de batalha
respinga nas bandeiras
mancha a história.
O nosso vai colhido
em brancos panos
escorre sobre as coxas
benze o leito
manso sangrar sem grito
que anuncia
a ciranda da fêmea.
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Pois há um sangue
que corre para a Morte.
E o nosso
que se entrega para a Lua”.


Também é o caso da artista plástica e fotógrafa Vanessa Tiegs, que fez as pinturas que aparecem no vídeo com o próprio sangue menstrual, na série chamada de Menstrala:

domingo, 16 de outubro de 2016

Livro 29 - Alice no país das maravilhas

Virginia Davis na gravação do filme de 1923, da Disney.
Foi em 2016 que finalmente li o livro que os britânicos mais fingem ter lido: Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll.

Uma história com tantas versões e releituras que ninguém imagina encontrar grandes novidades no texto original.

Um documentário da Discovery Civilization fala sobre as múltiplas interpretações possíveis e como a obra ultrapassa gerações e pode ser interessante tanto para crianças quanto para adultos:



A verdade ´que, apesar de despertar lembranças de filmes, animações, desenhos e tantas outras representações, a leitura do livro é uma experiência única. Das versões brasileiras com as quais tive contato, uma adaptação infantojuvenil em especial,d traduzida por Ruy Castro, chamou minha atenção.

É uma história incrível, que ainda renderá muitas versões e interpretações mundo afora. Como é o caso da exposição "Experiência Alice", atualmente em cartaz em São Paulo.Como não lembrar, também, de tantas outras? Entre as que lembro estão os filmes de Tim Burton e a peça do Grupo Giramundo, que tive o privilégio de assistir em 2014. A seguir, um trecho:

 

Livro 28 - Antes do baile verde

Como foi bom conhecer e me apaixonar pelos contos de Lygia Fagundes Telles! Tudo começou quando li "Antes do baile verde". Desde então, tenho lido tudo o que encontro dessa autora incrível.
O interesse aumentou ainda mais depois de ouvir o professor Dr. Nilton Resende, da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), autor da edição crítica de "Antes do baile verde", em junho. Sua explanação sobre esse livro, especialmente sobre o conto "Venha ver o por do sol", me deixou com ainda mais vontade de ler tudo o que a Lygia escreveu. Incrível como ela consegue nos ludibriar nesse conto!
Game "As formigas". Fonte: inhamegames.blogspot.com
Ela escancara o que há de mais cruel, e por isso tão honesto e inerente a todos nós, em seus personagens. Suas maldades e dissimulações, assim como as fraquezas e dores mais profundas de cada um deles, nos surpreendem e mexem com nossas próprias lembranças e identidades. Afinal, quem nunca pensou em se vingar de alguém, por exemplo, com direito a requintes de crueldade?
Muitos contos de Lygia Fagundes Telles já viraram filmes, peças, animações e até games. É o caso do conto "As formigas", do livro "Seminário dos ratos".

Depois de ler seus contos (já estou no terceiro livro depois de Antes do baile verde), partirei para os romances. Um deles, "As meninas", virou filme, que já assisti há alguns anos, do qual gostei muito.

Veja um trecho do filme:

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Livro 27 - O escafandro e a borboleta

"O escafandro e a borboleta" foi um dos filmes mais emocionantes que já assisti. Foi em 2013. Na ocasião, lembro de ter gostado muito e assistido novamente alguns dias depois. Só em 2016 descobri que ele era baseado em um relato autobiográfico do Autor, o jornalista Jean-Dominique Bauby.

Trata-se de uma história triste, mas também de determinação e perseverança do autor, que perdeu praticamente todos os movimentos do corpo após um AVC nos anos 90. É poético e de uma sensibilidade ímpar o título dado ao livro. Um contraponto entre o peso de um corpo imóvel - o escafandro - e uma alma ainda muito viva - a borboleta.
Cena do filme, de 2009, dirigido por Julian Schnabel. 

Essa poesia está muito presente também no filme. Uma das cenas que mais me chamou a atenção foi a que mostra o protagonista "ilhado" no mar em sua cadeira de rodas. Sem qualquer contato com o mundo, exceto a capacidade de ver, ouvir e até sentir alguns cheiros ao redor, como os que existem na praia, que mesmo repugnantes para a maioria das pessoas, o fizeram se sentir vivo em determinado momento.
Jean-Do dita o livro para Claude Mendibil (fonte:Wikipedia).


Bauby morreu poucos dias depois de finalizar o livro, que foi todo escrito com ele ditando, letra por letra, com o único movimento que lhe foi preservado: piscando um dos olhos.

Não há como ler um livro desses sem questionar as próprias escolhas e prioridades. Editor da revista Elle em Paris, Bauby vivia uma vida de festas, viagens, luxos. Se, por um lado, o acidente o fez refletir sobre até que ponto essa era uma vida fútil e vazia, por outro, o deixou com saudades imensas de pequenos prazeres, como o de degustar uma saborosa refeição em um bom restaurante.

Falamos sobre esse livro em agosto de 2017, no Clube de leitura e cinema de Sarapuí (post no blog).

domingo, 2 de outubro de 2016

Livro 26 – Diante da dor dos outros

Eu já conhecia e admirava muito Susan Sontag, li alguns ensaios na faculdade e tenho o livro “Sobre fotografia” há muitos anos. Em “Diante da dor dos outros” (Cia das Letras, esgotado em papel, mas disponível digital) , a autora escancara o que temos de mais sombrio. A começar pela imagem escolhida para a capa do livro: alguém está morrendo enforcado enquanto outra pessoa observa, como se fosse um espetáculo. No decorrer do ensaio, outras situações em que seres humanos serviram como “atrações” para outros seres humanos:

Água-forte “Tampoco”, de Goya, que ilustra a capa do livro.
Em geral, os corpos com ferimentos graves que aparecem em fotos publicadas são da Ásia ou da África. Essa praxe jornalística é herdeira do costume secular de exibir seres humanos exóticos — ou seja, colonizados: africanos e habitantes de remotos países da Ásia foram mostrados, como animais de zoológico, em exposições etnológicas montadas em Londres, Paris e outras capitais européias, desde o século XVI até o início do XX.

Susan Sontag traz à tona uma antiga discussão sobre o valor estético de fotografias de guerra. Como imagens dessa natureza são expostas em galerias e ganham prêmios em todo o mundo? Impossível não lembrar das fotos do brasileiro Sebastião Salgado, que tem em seu portfólio livros sobre imigração, movimentos sociais e outras situações difíceis. Suas fotos também podem ser consideradas arte, mas há quem diga que isso seria incoerente. No entanto, Sontag defende a beleza presente em fotos de guerra, bem como a fotografia como forma de arte:

A idéia não cai bem quando se aplica a imagens captadas por câmeras: encontrar beleza em fotos de guerra parece insensível. Mas a paisagem da devastação ainda é uma paisagem. Existe beleza nas ruínas. (...) Transformar é o que toda arte faz, mas a fotografia que dá testemunho do calamitoso e do condenável é muito criticada se parece “estética”, ou seja, demasiado semelhante à arte. (...)A foto dá sinais misturados. Pare isto, ela exige. Mas também exclama: Que espetáculo!

Mais adiante, a autora menciona Sebastião Salgado e procura compreender suas intenções ao expor e publicar as fotos de sua série “Êxodos”:

Tiradas em 39 países, as fotos de migração de Salgado reúnem, sob esse único título, uma multidão de causas e de modalidades de infortúnio diversas. Fazer o sofrimento avultar, globalizá-lo, pode incitar as pessoas a sentir que deveriam “importar-se” mais.

Avançando para as fotos de guerra preservadas e reproduzidas exaustivamente, a exemplo dos registros dos campos de concentração nazista - citando Hannah Arendt para alertar que esses registros foram efetuados depois da entrada dos aliados nesses campos – Susan Sontag passa a questionar o que se convencionou chamar de memória coletiva. Ela existe mesmo ou é algo em que nos tentam fazer acreditar?

Toda memória é individual, irreproduzível — morre com a pessoa. O que se chama de memória coletiva não é uma rememoração, mas algo estipulado: isto é importante, e esta é a história de como aconteceu, com as fotos que aprisionam a história em nossa mente.

O livro é de 2003. Portanto, anterior ao advento do Facebook e de outras redes sociais. No entanto, a mídia já ditava muitas regras e a vontade de virar celebridade instantaneamente fazia parte do dia a dia. As representações passaram a ser a única realidade conhecida. Poderia perfeitamente traduzir o que acontece hoje em nossas vidas virtuais:

Segundo uma análise muito influente, vivemos numa “sociedade do espetáculo”. Toda situação tem de se transformar em espetáculo para ser real — ou seja, interessante — para nós. As próprias pessoas aspiram a tornar-se imagens: celebridades. A realidade renunciou. Só existem representações: mídia.

Se só o que existe são representações, o que fazer com aquelas que nos fazem sofrer? Como encarar as representações do que de mais cruel já foi realizado por nós, seres humanos, a outros seres humanos? Não resta dúvida de que essas imagens não devem ser esquecidas. Precisamos olhar para elas, sentir o mal que elas nos fazem sentir, lembrar que não queremos mais imagens que causem esse tipo de sofrimento. O desafio é: como e onde fazer isso?  Para Susan Sontag, falta espaço para esse tipo de contemplação no mundo.

Certas fotos — emblemas de sofrimento, como o instantâneo do garotinho no Gueto de Varsóvia em 1943, de mãos levantadas, arrebanhado na direção de um veículo, rumo ao campo de extermínio — podem ser usadas como advertências, como objetos de contemplação destinados a aprofundar o sentido de realidade de uma pessoa; como ícones seculares, se preferirem. Mas isso pareceria exigir o equivalente a um espaço sagrado ou meditativo para olharmos essas fotos. Um espaço reservado para sermos sérios é algo difícil de conseguir na sociedade moderna, cujo modelo principal de espaço público é a megastore (que também pode ser um aeroporto ou um museu).

O livro é excelente. Desses que a gente abre e só fecha depois de terminar.

O fotógrafo Sebastião Salgado ficou alguns anos sem trabalhar depois da publicação da série Êxodos. Essas questões sobre a beleza em fotos que mostram sofrimento também mexeram com ele. O documentário de Wim Wenders, “O sal da terra”, conta um pouco essa história. O filme concorreu ao Oscar de Melhor Documentário em 2015. Gostei muito.